sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Quilombolas do Baixo-Sul na 14ª Feira Cultural e Saúde

Como a base da motivação desta coluna são nossas experiências cotidianas junto às comunidades quilombolas com as quais dialogamos, trago para vocês algumas observações sobre o intercâmbio realizado nos dias 23 e 24 de setembro entre quilombolas e candomblecistas na 14ª Feira Cultural e de Saúde.



Na região do baixo-sul da Bahia, o projeto Comércio com Identidade – uma parceria de KOINONIA com o Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais (Sasop), financiada pela Secretaria do Trabalho Emprego, Renda e Esporta da Bahia - atende três comunidades quilombolas localizadas no município de Camamu: Dandara dos Palmares, Quilombo do Barroso e Quilombo Jatimana/Boa Vista.

Este projeto, além de apoiar a ampliação de redes femininas e mistas de economia solidária e comércio justo, busca garantir os direitos dessas mulheres que vêm enfrentando situações graves de violência, complicadas pela baixa efetividade local das políticas públicas de redução das desigualdades de gênero. A distância das instituições públicas que fazem parte da rede de atendimento às mulheres em situação de violência é um dos principais problemas. O investimento principal do projeto é no amplo reconhecimento da identidade quilombola e das desigualdades entre homens e mulheres, com um duplo objetivo: consolidar o sentido dessas redes femininas locais como meio de tornar o comércio mais justo, aumentar a presença feminina; e estimular a participação política delas a partir do debate de suas especificidades identitárias e demandas políticas (como, por exemplo, poder contar com a rede de atendimento mesmo em áreas rurais afastadas).

Em Salvador, o Ilê Axé Iyá Nasso Oká, Terreiro da Casa Branca - como é mais conhecido -, é o primeiro Monumento Negro tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1986. Segundo a tradição oral, os primeiros axés do candomblé ketu-nagô teriam sido plantados, no início do século XIX, na Ladeira do Berquió, próxima da Igreja da Barroquinha, centro de Salvador. Na segunda metade do século XIX, o terreiro se transferiu para o Engenho Velho da Federação, então subúrbio da cidade, onde hoje se encontra. Esta casa tem suas ações sociais realizadas por sua associação civil e pelo Espaço Cultural Vovó Conceição, que tem com finalidade apoiar iniciativas culturais de resgate e fortalecimento da cultura negra, voltada aos costumes e religiosos tradicionais do Candomblé. Dessa junção nasceu a Feira de Saúde, que se tornou Feira Cultural e de Saúde, e que em 2016 chega a 14º edição. Esta ação oferece serviços de saúde e cultura diversa, sendo realizada na Praça de Oxum, dentro do espaço do terreiro.

Organizar e promover espaços de intercâmbio está na nossa concepção de educação popular e processos formativos de desconstrução de preconceitos e estereótipos, bem como na prática de estreitar laços entre movimentos e grupos sociais distintos. Neste sentido, nos propomos a mais uma vez criar estes laços, tendo como pano de fundo principal a produção das comunidades quilombolas e de terreiros.



Sair de uma comunidade que fica a mais de 20 quilômetros do centro do município de Camamu e se deslocar para Salvador, que são mais ou menos 6 horas de viagem, já é por si só uma aventura. Agregue a isso ir participar de uma feira que está na sua décima quarta edição! Bom, essa foi a experiência vivenciada pelas 16 mulheres quilombolas das comunidades de Barroso e Dandara que participaram da Feira de Cultural e de Saúde no Terreiro da Casa Branca.

Mesmo sendo parte das práticas do trabalho de KOINONIA o diálogo sobre combate aos preconceitos discriminatórios e a intolerância, estar no espaço sagrado de outra religiosidade é desafiador, e foi assim que desceram da van, com toda a sua produção da agricultura familiar, de geleias, dendê, pimentas, licores e outros produtos beneficiados e com os olhos bem abertos para captar o máximo desta experiência.

A recepção calorosa de Equede Sinha foi fundamental para o acolhimento e a constatação de que os elementos que nos unem são muito maiores do que os que nos separam: estávamos diante de uma ação construída por uma comunidade religiosa que promove direitos e diálogo, além de cultura. E essa experiência é muito semelhante com o que estas mulheres vêm construindo na Feira Agroecológica das Mulheres Contra a Violência (já relatada aqui no Caderno de Campo – Colhendo esperança: feira das mulheres no Baixo-Sul).



Conhecer os espaços com os passos guiados pelo Ogã de Oxossi e Diretor Executivo de KOINONIA Rafael soares de Oliveira, foi outro momento que marcou a experiência vivenciada, conhecer para solidificar o respeito e destruir os preconceitos.




A comercialização e os diálogos ocorreram durante todo o dia, com intervalos para apresentações culturais, mesas de debate, abraços, sorrisos, acarajé e caruru.

As falas na saída reafirmaram que estamos no caminho certo. Da comunidade quilombola do Barroso, Ana Carine declarou: “Nossa, eu amei! Aqui é lindo e fui muito bem tratada”. Enquanto Maria fez questão de registrar a importância de levar a família da Casa Branca para conhecer o quilombo: “Mas tem que levar eles lá!”. Da comunidade de Dandara dos Palmares, Augusta disse: “Vou guardar para sempre este dia”.

Mesmo com todos os golpes oriundos da política, seguimos na construção de pontes e na junção das lutas por uma sociedade mais justa e que acolha a todos com suas especificidades. Continuamos na luta!

Ana Gualberto - Historiadora; Mestranda em Cultura e Sociedade – UFBA; Editora do Observatório Quilombola; Coordenação – Assessoria a comunidades negras tradicionais.

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