No dia 1º de agosto o estado do Rio de Janeiro já transpirava olimpíadas por todos os poros. A respeito desse ponto, gostaria de compartilhar sobre dois eventos que ocorreram nesse dia: o trajeto da tocha olímpica no município de Armação dos Búzios e a Vigília da Dignidade, promovida por KOINONIA e outras organizações e movimentos sociais.
A tocha olímpica chegou ao Rio de Janeiro no dia 27 de julho, nessa data (01 de agosto) ela continuava seu trajeto até chegar ao Maracanã, no dia 05 de agosto. Durante sua passagem pelos municípios do estado, algumas comunidades quilombolas estavam (e oxalá continuarão!) no caminho percorrido.
No município de Armação dos Búzios, a comunidade quilombola da Rasa – certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2005 e que ainda hoje luta pela titulação de seu território, foi incluída no percurso de passagem da tocha olímpica. Como sempre, foram escolhidas pessoas para conduzir a tocha, fazendo revezamento. Pois bem, uma das escolhidas para esse nobre momento foi Eva Maria de Oliveira, conhecida por todos na região como tia Eva, mãe de Dona Uia, um símbolo da resistência e luta do povo quilombola, uma mulher de 106 anos que continua firme e consciente, sendo pedra fundamental na luta de seus descendentes pelo direito de permanecer em seu território e na retoma das terras perdidas.
Dona Eva - Tocha olímpica passa por Búzios. | Foto: Jornal Sem fronteiras
Pois bem, Tia Eva carregando a tocha é ótimo, não é? Então, o povo quilombola da região dos lagos se organizou para estar presente e dar visibilidade a existência e resistência do povo quilombola durante o evento. Nas redes sociais, pude acompanhar que participaram do evento quilombolas das comunidades de Maria Joaquina (Cabo Frio), Maria Romana (Cabo Frio), Botafogo (Cabo Frio) e Baía Formosa (Armação de Búzios). No entanto, a festa não foi tão democrática assim.
Tia Eva não foi reverenciada como representante de uma comunidade quilombola. Uma comunidade que é parte da história do município de Búzios, da história do estado do Rio de Janeiro e tem uma trajetória importante no movimento quilombola. Ela não foi levada ao palco, não houve homenagem a sua resistência e sua origem. Foi referida no material divulgado como mais uma “mulher de mais de 100 anos que conduz a tocha”. Foi aí que uma questão me veio: Tia Eva é só isso? Por que silenciar quanto a sua identidade quilombola?
Paralelamente, ainda no dia 1º de agosto, na Praça da Cinelândia - Centro do município Rio de Janeiro, aconteceu a Vigília da Dignidade. O evento fez parte da Jornada de Lutas, realizada durante o período das Olimpíadas e que contou com a participação de mais de 100 organizações do movimento social. Ao longo do dia, diversos movimentos, urbanos e rurais, comunidades tradicionais e grupos religiosos, puderam expor como estamos em constante negação da dignidade humana, mas também em como acreditamos que seja possível conviver e cuidar juntos de nossa casa comum.
A Vigília da Dignidade contou com a participação de mais de 40 quilombolas das comunidades de Maria Conga, SantaRita do Bracuí - comunidade onde deixei meu umbigo enterrado, onde pesquisei e produzi minha monografia, parte de minha história pessoal; e Alto da Serra, comunidade que acompanho desde 2003, quando iniciaram seu processo de aproximação com o movimento quilombola. Durante o evento, pude reencontrar amigos e amigas quilombolas que eu não via há muito tempo. Entre eles, Seu Benedito de Alto da Serra. Reencontrei jovens que até ontem eram crianças e que hoje representam suas comunidades e reafirmam o compromisso e a esperança de um mundo digno.
Foto: Acervo KOINONIA
Ivone Bernardo, presidenta da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Estado do Rio de Janeiro (ACQUILERJ) – declarou que mesmo com todo o processo de perdas de direitos e de invisibilização que as comunidades quilombolas são vítimas, a resistência e a esperança continuarão sustentando a luta quilombola, continuarão na articulação pela regularização de seus territórios e pela manutenção da vida coletiva.
Foto: Acervo KOINONIA
No final do dia de Vigília, o recado foi dado e o jongo foi cantado pela comunidade do Bracuí reverenciando a ancestralidade. Enquanto isso, no quilombo da Rasa, Tia Eva estava lá, presente e resistindo.
Mesmo com toda a tentativa de apagar, esconder e negar os quilombos, os quilombolas continuam a resistir com suas raízes profundas, cada vez mais capazes de passar por tempos difíceis.
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Pela dignidade, pelas comunidades quilombolas!
Foto: Acervo KOINONIA
Ana Gualberto - Historiadora - Mestranda em Cultura e Sociedade – UFBA Editora do Observatório Quilombola Coordenação – Assessoria a comunidades negras tradicionais