É com grande honra que apresento aos leitores do Observatório Quilombola coluna“Caderno de Campo”, escrita por mim e Ana Gualberto.
Nosso objetivo aqui é dividir com vocês um pouco de nosso trabalho junto as comunidades remanescentes de quilombo. Atualmente atuamos basicamente nos estados do Rio de Janeiro e Bahia, mas de forma geral, nos preocupamos em acompanhar a discussão da temática no campo nacional e internacional.
A primeira página desse caderno será dedicada ao quilombo Sacopã. Localizado no bairro nobre da Lagoa, zona sul do Rio de Janeiro, foi a primeiro quilombo urbano no município certificado pela Fundação Cultural Palmares (2004). Em 2012, através da Lei 5503, foi declarado pela prefeitura como Área de Especial Interesse Cultural (AEIC) e, dois anos mais tarde (2014), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária(INCRA) entregou a Portaria de Reconhecimento do Território, último passo antes da titulação definitiva que até agora, não aconteceu.
Foto: Daniela Yabeta (setembro/2014) – Momento da entrega da portaria
De acordo com a memória dos quilombolas, nessa época, a Ladeira do Sacopã era uma trilha perigosa e com muitos trechos em pedra. Na década de 1960, durante o governo de Carlos Lacerda (1960-1965), começou a ser a implementada a política de remoção de favelas e a Lagoa passou a ser um local de grande interesse imobiliário. Dona Eva ajudava no orçamento da família vendendo quentinhas para os operários que trabalhavam nas construções das proximidades.
Em 1975, ameaçado pelas expulsões que rondavam a região, Seu Manoel impetrou uma ação de usucapião, reivindicando a posse do território que ocupava há quase 50 anos. Na década de 1980, incentivados pelos filhos José Luiz Pinto Júnior e Maria Laudelina de Freitas, conhecidos respectivamente como Luiz Sacopã e Tia Neném, além de servirem comida, transformaram o local num ponto de encontro para rodas de samba.
Diante da negativa do direito de propriedade individual do território e das constantes ameaças de expulsão, a Família Pinto tentou obter a titulação da área como remanescente de quilombo. A luta segue até hoje!
Essa trajetória de resistência chamou atenção do jovem cineasta (e meu irmão!) Diogo Yabeta, aluno do curso de graduação em Cinema na Universidade Estácio de Sá. No segundo semestre de 2015, no âmbito da disciplina Prática Documental, ministrada pelo professor Dermeval Netto, Diogo escolheu produzir um documentário sobre o quilombo Sacopã. Com relação ao motivo da escolha, ele declarou:
Diante da negativa do direito de propriedade individual do território e das constantes ameaças de expulsão, a Família Pinto tentou obter a titulação da área como remanescente de quilombo. A luta segue até hoje!
Essa trajetória de resistência chamou atenção do jovem cineasta (e meu irmão!) Diogo Yabeta, aluno do curso de graduação em Cinema na Universidade Estácio de Sá. No segundo semestre de 2015, no âmbito da disciplina Prática Documental, ministrada pelo professor Dermeval Netto, Diogo escolheu produzir um documentário sobre o quilombo Sacopã. Com relação ao motivo da escolha, ele declarou:
“A primeira vez que estive no quilombo do Sacopã foi em 2012, quando tive a oportunidade de filmar uma entrevista realizada com o quilombola Adriano Lima, da Ilha da Marambaia, na qual ele contava sua atuação na luta pela titulação do território. Depois, eu retornei em 2014, no momento em que o INCRA entregou a Portaria de Reconhecimento do Território Quilombola do Sacopã. Eu fiquei encantado com o lugar e busquei mais informações sobre a trajetória daquela comunidade. Temos quatro quilombos certificados pela Fundação Cultural Palmares no município do Rio de Janeiro e pouca gente conhece a história dessas comunidades e as lutas que enfrentam para continuarem vivendo no território que habitam há várias gerações. A ideia surgiu e eu procurei o Luiz Sacopã, que topou na hora”.
No mês passado, o documentário Quilombo Sacopã foi selecionado para a I Mostra Jovens.Mov. Produzida pelos alunos do curso de Produção Cultural do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ – Campus Nilópolis), a mostra teve como principais objetivos divulgar a produção jovem e independente no estado do Rio de Janeiro e fomentar a discussão sobre temas do cenário atual de produção audiovisual independente. Uma excelente iniciativa que contou com o apoio do Centro Cultural da Justiça Federal para a realização do evento.
Quilombo do Sacopã foi exibido no dia 27 de julho e na plateia, Cláudio Freitas (filho de Dona Neném) e Luíz Sacopã foram prestigiar o evento. O júri popular escolheu seis documentários para a final, realizada no dia 28 de julho. Além do documentário de Diogo Yabeta, também foram para final os curtas: Meio-Fio, Pau de Selfie, Ti Bum! Já é? Dia de Cosme e Damião, e o grande vencedor foi BH no Ritmo da Luta.
Centro Cultural da Justiça Federal
Dez dias depois do festival, quando planejávamos uma exibição do documentário no quilombo Sacopã, recebi a seguinte notícia divulgada no Blog Mamaterra: a Secretaria de Fazenda do Município penhorou o carro e os bens do quilombola Luiz Sacopã (73 anos) devido a supostas dívidas de trinta anos atrás. Por conta das Olimpíadas, o prefeito não pode receber as lideranças quilombolas, mas seu secretário prometeu se inteirar sobre o assunto. Enquanto isso, a Polícia Militar montou um posto móvel com soldados na entrada do quilombo.
No próximo dia 20 de agosto, a Rádio Mamaterra, o SOS Racismo Brasil e diversos grupos de direitos humanos estarão presentes no quilombo prestando solidariedade a comunidade. Que tal aproveitar e dar uma passada por lá também? O endereço é esse aí da foto: Ladeira do Sacopã, 250.
Foto: Daniela Yabeta (setembro/2014)
Para finalizar essa primeira página do caderno, preciso declarar que diferente do que muitos dizem por aí, não acredito que agosto seja o mês do desgosto. Para mim é o mês da revelação, da transformação, das renovações e de muita fé. Por isso, acho que nossa coluna começa com o pé direito!
Além de nós, que o grande orixá Omolu, senhor do mês de agosto, e todos os ancestrais quilombolas estejam presentes no próximo sábado na comunidade. Luiz Sacopã, estamos com você!
Daniela Yabeta - Historiadora - Pós-Doutoranda em História (UFF-FAPERJ) - Editora da Revista do Observatório Quilombola
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