sexta-feira, 30 de setembro de 2016

UFF/UNEB - Relatos de experiência da prática docente

Depois de três semanas de atraso, finalmente consegui voltar ao nosso Caderno de Campo. Durante esse período, dividi meu tempo basicamente em duas frentes de trabalho diferentes: o retorno às aulas na Universidade Federal Fluminense (UFF) e a realização de um seminário temático na Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Em ambos espaços, discutimos sobre a luta pela garantia dos direitos quilombolas e políticas públicas de ações afirmativas. São essas experiências que hoje trago para vocês.

Com relação às aulas na UFF, é uma alegria muito grande dividir a disciplina “Dimensões da escravidão: modernidade, ilegalidade e apropriações contemporâneas” com o historiador (meu amigo e vizinho de Irajá) Thiago Campos. Eu conheci o Thiago há dez anos atrás, quando eu cursava a graduação na UFRJ e ele na UFF. Nessa época descobrimos, cada qual no seu canto (ele na UFF e eu em KOINONIA), o universo mágico das comunidades remanescentes de quilombo do sul-fluminense. Foi através da experiência junto a esses grupos que embarcamos na viagem rumo ao século XIX. Eu voltei dessa viagem para o tempo presente, ele segue firme na jornada. Sua tese, “A indiscrição como ofício: o complexo cafeeiro revisitado (Rio de Janeiro, c.1830 – c.1888)", defendida no Programa de Pós-Graduação em História da UFF, foi premiada pelo Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Arquivo Nacional e pela própria UFF como melhor tese de 2015. Vale a pena a leitura!

Nosso curso é dividido em duas partes. A primeira será ministrada pelo Thiago e consiste na análise da reestruturação da escravidão africana no Atlântico ao longo do século XIX. Na segunda, ministrada por mim, trataremos das apropriações contemporâneas desse processo através da luta pela titulação dos territórios remanescentes de quilombo. Para nossa surpresa, a turma lotou!

Entre as atividades extraclasse, estamos organizando o Seminário Tráfico Negreiro e Estado Nacional no Mundo Atlântico (STENA) – Edição Especial Mangaratiba, que ocorrerá no dia 20 de outubro na UFF. Para essa sessão do STENA contaremos com as apresentações de Fernanda Pinheiro e Raquel Terto: “Memória e legado material do tráfico de escravos e dos africanos no Rio de Janeiro – da chegada clandestina às apropriações contemporâneas do passado” e do próprio Thiago: “O comércio ilegal de africanos na montagem do complexo cafeeiro fluminense: o caso Breves”. Trata-se de um evento aberto, além dos nossos alunos inscritos, quem estiver interessado é só chegar. Estão todos convidados.




O seminário na UNEB foi fruto de mais uma parceria minha com a grande historiadora (e minha amiga!) Ana Gualberto. Por aqui, Ana dispensa apresentações, pois é ela quem assina as páginas desse caderno comigo. Começamos a trabalhar juntas em 2005, quando estávamos na graduação (Ana foi aluna da UERJ de São Gonçalo) e desde então, ela tem sido uma grande inspiração para mim. Principalmente no que se refere a militância junto às comunidades remanescentes de quilombo.



Eu e Ana Gualberto – Foto: Daniela Yabeta

Viajamos para a cidade de Cipó, localizada no sertão da Bahia, no dia 16 de setembro e ficamos por lá até o dia 20. O município é conhecido por conta de suas águas termais. A busca por tratamentos na estância hidromineral de Cipó impulsionou o turismo e promoveu a emancipação do município na década de 1930. O Grande Hotel, inaugurado por Getúlio Vargas em 1952 (hoje desativado), é o retrato vivo dos tempos áureos desse pequeno oásis baiano.

No entanto, não foram as águas termais de Cipó que nos levaram até lá. Eu e Ana realizamos o seminário temático “Quilombos contemporâneos: debates sobre a inclusão da temática no currículo escolar” para professoras da educação básica que atualmente cursam Pedagogia pela Plataforma Freire no campus da UNEB, localizado na cidade. Uma experiência espetacular!




Turma de Pedagogia PARFOR/UNEB – Foto: Daniela Yabeta

Durante três dias discutimos sobre diáspora africana, relações étnico-raciais e educação quilombola. No município de Cipó existem atualmente três comunidades remanescentes de quilombo certificadas pela Fundação Cultural Palmares desde 2005: Várzea Grande, Caboge e Rua do Jorro. Debates em torno da aplicação da Lei 10.639 (que torna obrigatório o ensino e História e Cultura Afro-Brasileira) e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica tornaram-se ainda mais urgentes para essas professoras.

Um dos melhores momentos do seminário foi nossa visita ao quilombo do Caboge. Ao chegarmos na comunidade, conhecemos o bar da Marlene (presidenta das três associações quilombolas), nos divertimos com a cascata construída por ela e tivemos o privilégio de conversar com Dona Helena, sua mãe. Ela nos contou sobre os tempos glamorosos do turismo na cidade, quando caminhava mais de três quilômetros – do sítio onde morava até o centro de Cipó – para participar das festas que ocorriam no cassino e nos salões do Grande Hotel. Contou também sobre a dura infância no campo, muito trabalho e pouca chance de frequentar a escola.



Cascata do quilombo do Caboge – Foto: Daniela Yabeta

Sobre as atividades realizadas durante o seminário, as professoras organizaram pequenas peças teatrais nas quais encenaram situações de racismo que as crianças quilombolas vivem no cotidiano escolar. Após relatarem suas experiências, pensamos no desafio de mudar essa realidade dentro da sala de aula. Diante da provocação, as professoras produziram planos de aula para serem trabalhados na Educação Básica onde discutem, entre outros temas, a valorização da cultura quilombola e a contribuição dessas comunidades para o desenvolvimento do município de Cipó. Destacaram a importância de trabalharem uma “outra” história da cidade: das águas termais para as comunidades negras rurais. Esse material será publicado na Revista do Observatório Quilombola de novembro de 2016. Vocês não perdem por esperar! Por ora, deixo aqui a poesia escrita pela professora Valnice Santos Souza que traduz bem o espírito do nosso encontro.


Trabalhar com Ana e Thiago é um tremendo presente. O tempo passou, mas o prazer pela pesquisa e o gosto pela prática docente só fez aumentar nesses dois. Em tempos difíceis, ter a oportunidade de dividir com eles esses momentos funcionou como uma injeção de ânimo para mim. Que venham mais experiências como essas!

Daniela Yabeta - Historiadora - Pós-Doutoranda em História (UFF-FAPERJ) - Editora da Revista do Observatório Quilombola 

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Colhendo Esperança: Feira das Mulheres do Baixo Sul

Hoje trago para vocês um dia que me serviu para recuperar as forças e a esperança nas mudanças de nossa sociedade. Em meio ao ambiente de golpe e perdas, precisamos mais que nunca celebrar e compartilhar coisas boas.





Foto: Joice Santiago

No último dia 2 de setembro aconteceu a quinta edição da já tradicional Feira Agroecológica das Mulheres Contra a Violência, na cidade de Camamu (BA), com apoio de várias organizações e movimentos sociais. Esta feira surgiu da necessidade das mulheres negras quilombolas, agricultoras, pescadoras, marisqueiras e extrativistas em afirmar sua capacidade produtiva, conquistar espaço para realizar comercialização e defender suas bandeiras. A bandeira que foi abraçada por este coletivo desde seu início, foi e é algo que assola a nós todas, de forma direta ou indireta: a violência contra as mulheres.

Escrever sobre a experiência de mais uma edição desta feira me coloca em um momento de nostalgia e esperança, pois começamos com a participação das comunidades de Camamu, aproximadamente 80 pessoas, hoje, na quinta edição, tivemos aproximadamente 300 agricultoras e a circulação de mais de 500 pessoas. Então é falar de dentro deste movimento que junta mulheres dos movimentos sociais, das organizações da sociedade civil, sindicatos e demais grupos, e nos coloca como companheiras na construção das mudanças.


Foto: Joice Santiago

A feira de agroecológica de mulheres surgiu em 2012 com o objetivo de manter essas comunidades atentas à questão da desigualdade de gênero em suas diferentes expressões, criando, simultaneamente, oportunidades para que as mulheres – muitas vezes excluídas da partilha dos dividendos da pequena produção agrícola – pudessem comercializar bens que são fruto de seu trabalho. Em 2014, produzimos um vídeo sobre a feira que pode ser acessado aqui.

Infelizmente o problema da violência contra as mulheres na região do baixo sul da Bahia ainda está longe de ser superado – ver “Narrativas sobre violência contra mulheres no Baixo Sul da BA”. Embora as cidades da região não estejam nos mapas de violência, no cotidiano das mulheres a violência ainda é muito presente. O distanciamento dos centros urbanos, a falta de atendimentos de qualidade tanto nas delegacias, como os aparelhos públicos de atendimento as mulheres, contribuem para que estes casos não sejam registrados e passem a alimentar os índices coletados em nosso país. Só exemplificando, no início deste ano tivemos uma companheira assassinada e violentada numa comunidade, além das constantes narrativas de violência física, patrimonial e principalmente psicológica. Mas não estar sozinha ajuda e muito...

Temos durante estes anos criado espaços de diálogo, acolhimento e apoio entre as mulheres e essa feira, que já entrou para calendário da cidade, é o ápice da publicização do que temos feito. É na feira que cada comunidade traz além de sua produção, suas apresentações culturais, suas falas motivadoras, seus sonhos de autonomia econômica se mostram possíveis e palpáveis. A feira é muito mais do espaço de venda, é espaço de troca e de esperança.


Foto: Joice Santiago


Muito samba de roda, muitos sorrisos partilhados, muitos sonhos visitados e explicitados. Esse é o resumo de mais uma feira das mulheres. Aproveito para finalizar com o trecho de uma música cantada pelas mulheres da comunidade quilombola de Jetimana, localizado no município de Camamu (BA): “... acabou a brincadeira, as mulheres de hoje em dia já mandam é na casa inteira”.


Ana Gualberto - Historiadora; Mestranda em Cultura e Sociedade – UFBA; Editora do Observatório Quilombola; Coordenação – Assessoria a comunidades negras tradicionais


Encontro de Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro

Entre os dias 10-12 de agosto, estive em mais um Encontro das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro. Este foi o quinto encont...