domingo, 14 de janeiro de 2018

TOUR PELO SUBÚRBIO CARIOCA - Parte II: O Largo do Bicão


Como vocês bem sabem, eu e Ana somos nascidas e criadas no subúrbio do Rio de Janeiro. Hoje, Ana mora em Salvador (BA) e eu estou de partida para Rolim de Moura (RO), mas nosso coração pertence a essas bandas, não tem jeito. Daí que circulando pela vizinhança, resolvi escrever sobre um local de grande referência: a praça Rubey Wanderley, mas conhecida como “Largo do Bicão”. 

MultiRio

Apesar de tantos anos passando pela localidade, me dei conta de que não sabia quem foi Rubey Wanderley, assim como também não sabia se existia realmente uma bica grande na tal praça. Decidi então, caminhar pelo largo de forma mais atenta e pesquisar notícias sobre seu patrono. Descobri que o mesmo foi um jornalista e escritor. Um dos editores do jornal O Radical. Em 01 de junho de 1939, foi publicada uma foto intitulada “A família de O Radical”, onde podemos encontrar Rubey Wanderley sentado de paletó escuro, óculos e gravata.

O Radical - 01 de junho de 1939


Sobre a existência da bica (ou bicão), posso garantir que ela está realmente lá. De acordo com matéria publicada no jornal Extra de 05 de maio de 2012, Evando dos Santos, o fundador da Biblioteca Comunitária Tobias Barreto de Menezes – localizada próxima ao Largo do Bicão, a tal bica foi instalada a mando de D. Pedro II, que passou pela localidade e percebeu que a região precisava de uma fonte de água. Já Carla Araújo, em matéria publicada no site MultiRio, conta a história de que a construção da grande bica ocorreu por volta de 1900, quando o Rio de Janeiro sofria com falta de abastecimento de água. Sua finalidade era atender a demanda dos residentes.

Daniela Yabeta

Mas o que me deixou estupefata foi a afirmação de Evando dos Santos, profundo conhecedor da história local, de que o Largo do Bicão abrigou durante algum tempo um quilombo. Não encontrei maiores informações sobre a existência dessa comunidade, mas o interessante é que bem próximo ao Largo do Bicão temos um bairro chamado Quitungo, termo quimbundo que, de acordo com Rento Mendonça em “A influência africana no portuguêsdo Brasil”, significa gongá – cestinha com tampa. Em 26 de julho de 1876, encontrei no periódico Diário do Rio de Janeiro uma referência a localidade. Trata-se de um relato sobre o julgamento de um crime ocorrido na freguesia do Irajá, no lugar “denominado Quitungo”.

Diário do Rio de Janeiro, 26 de julho de 1876

De qualquer forma, percebemos que a história do Largo do Bicão remete a um local de sociabilidade e ainda hoje é assim. Apesar de não dispor mais do abastecimento de água, o local possui um moderno parque de skate que foi inaugurado em 2012.



Após essa breve pesquisa, passar pelo Bicão tomou outro significado. Fico pensando em quem frequentava o largo em busca de água, como era o Quitungo no século XIX, quais foram as primeiras famílias que habitaram a região, entre tantas outras coisas mais. O subúrbio é realmente um lugar rico de histórias e merece cada vez mais ser investigado. Para quem não conhece o Largo do Bicão, é uma grande referência para chegar até o Polo Gastronômico de Vista Alegre. No Bicão encontramos uma placa ótima indicando o caminho a seguir. 

Daniela Yabeta



Daniela Yabeta
Historiadora - Pesquisadora Pós-Doc FAPERJ/UFF

domingo, 7 de janeiro de 2018

Sobre tornar-se intelectual

No mês de setembro um dos temas que debatemos no grupo de pesquisa Etnomídia, do qual faço parte, foi sobre a diferença entre o acadêmico e o intelectual. Por isso, resolvi compartilhar com vocês algumas elucubrações sobre ser e torna-se intelectual.


A primeira coisa que vem à cabeça ao pensar na palavra intelectual é pensador, pessoa que reflete sobre, que formula. Entretanto, se a capacidade de pensamento é inerente ao ser humano, “penso, logo existo”, todos somos intelectuais? Para responder esta pergunta é preciso sair do primeiro impacto e construir um conceito de intelectualidade e de intelectual.

Tecendo aqui um comentário raso: para Gramsci (Cadernos do Cárcere/ 2001), todos os homens são intelectuais mesmo não exercendo a função, mas existem dois tipos que exercem. Os intelectuais orgânicos que estariam ligados a classes ou empresas e que seriam usados para conquistar o poder e o controle; e os intelectuais tradicionais que passam ano após ano permanecendo no mesmo lugar: não sou/estou em nem um polo nem em outro.



A capacidade de pensamento e de formulação  é sim inerente aos seres humanos. Porém, o que compõe o ser intelectual é a capacidade crítica e analítica, a capacidade de formular questões, possibilidades e caminhos a partir de onde está inserido, de construir incômodos que promovam mudanças. Nem sempre bem quisto nos espaços, mas necessário para “olhar além”, com elementos de outras experiências, somados a estudos e reflexões, construindo e desconstruindo conceitos e paradigmas.

O intelectual é um ser cotidianamente incomodado com o que lhe cerca. Este incômodo produz necessidade de novas formulações, novos caminhos, e de expressar-se dividindo seus incômodos, tirando as pessoas, ou pelo menos tentando tirar, de seus lugares de conforto.

Minha trajetória em tornar-se intelectual, se inicia nas provocações feitas por minha mãe ainda na infância para seus filhos, somos quatro no total.  Ela sempre nos questionava  sobre que lugar ocuparíamos no mundo: dos que veem as coisas acontecerem ou dos que fazem as coisas acontecerem. Essas provocações me levaram muito cedo a militância dos movimentos sócias na busca por equidade.

A entrada nos movimentos sociais não se fez suficiente, precisava entender melhor o porquê de tantas coisas que causavam, e continuam causando, tantas injustiças. Soma-se a isso a figura dos “gurus” as pessoas com as quais me aconselhava, apresentava minhas perguntas e pedia opiniões, opiniões estas que vinham somadas de referencias, citações de pessoas, fatos históricos, reflexões que estabeleciam conexões e que me deixam mais e mais inquieta e com mais questões. Estes fatos me levaram para a universidade onde me deparei com a prática acadêmica, da reflexão e debate sobre o pensamento de outros e formular meu próprio pensamento. Onde percebi que eu poderia ocupar este lugar de ser a provocadora do incômodo, a que coloca a “mosca no quarto a zumbizar” como nos ensinou Raul Seixas.

Acredito que o maior desafio para nós intelectuais, seja dar uso real às nossas pesquisas e reflexões. Por minha história de vida e o meu lugar na sociedade, não acredito que possamos nos manter em um espaço de produção de conhecimento espectador do mundo. Precisamos e podemos ampliar o diálogo entre academia e sociedade, já que nossa prática é invariavelmente ligada à sociedade. É preciso manter o “alerta constante” como afirma Said (Orientalismo/2003), e principalmente estabelecer diálogos para que nossas reflexões não fiquem apenas entre nós e nossos pares.  



Estamos em um momento em nosso país em que refletir sobre, é muito pouco. Precisamos reagir. E que essas reflexões nos levem, e levem a outras pessoas, a reações que produzam algum tipo de mudança na situação atual de privação da democracia. Perdemos a cada dia, direitos conquistados a duras penas e a sangue derramado.

É tempo de reação. Hoje, mais que nunca, questiono: Qual é o papel do intelectual? Para onde nossos pensamentos nos levam?

É tempo de pensar e de agir. E para isso a ação coletiva é fundante. Ou vamos juntos, ou não vamos a lugar nenhum.
 
Feliz 2018!

Ana Gualberto
Historiadora - Mestranda em Sociedade e Cultura - UFBA
Assessora de KOINONIA

Encontro de Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro

Entre os dias 10-12 de agosto, estive em mais um Encontro das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro. Este foi o quinto encont...