No mês de
setembro um dos temas que debatemos no grupo de pesquisa Etnomídia,
do qual faço parte, foi sobre a diferença entre o acadêmico e o intelectual.
Por isso, resolvi compartilhar com vocês algumas elucubrações sobre ser e
torna-se intelectual.
A primeira coisa que vem à cabeça ao pensar na palavra intelectual é
pensador, pessoa que reflete sobre, que formula. Entretanto, se a capacidade de
pensamento é inerente ao ser humano, “penso, logo existo”, todos somos
intelectuais? Para responder esta pergunta é preciso sair do primeiro impacto e
construir um conceito de intelectualidade e de intelectual.
Tecendo aqui um comentário raso: para Gramsci (Cadernos do Cárcere/ 2001), todos os homens são
intelectuais mesmo não exercendo a função, mas existem dois tipos que exercem.
Os intelectuais orgânicos que estariam ligados a classes ou empresas e que
seriam usados para conquistar o poder e o controle; e os intelectuais
tradicionais que passam ano após ano permanecendo no mesmo lugar: não sou/estou
em nem um polo nem em outro.
A capacidade de pensamento e de formulação é sim inerente aos seres
humanos. Porém, o que compõe o ser intelectual é a capacidade crítica e
analítica, a capacidade de formular questões, possibilidades e caminhos a
partir de onde está inserido, de construir incômodos que promovam mudanças. Nem
sempre bem quisto nos espaços, mas necessário para “olhar além”, com elementos
de outras experiências, somados a estudos e reflexões, construindo e
desconstruindo conceitos e paradigmas.
O intelectual é um ser cotidianamente incomodado com o que lhe cerca.
Este incômodo produz necessidade de novas formulações, novos caminhos, e de
expressar-se dividindo seus incômodos, tirando as pessoas, ou pelo menos
tentando tirar, de seus lugares de conforto.
Minha trajetória em tornar-se intelectual, se inicia nas provocações
feitas por minha mãe ainda na infância para seus filhos, somos quatro no total.
Ela sempre nos questionava sobre que lugar ocuparíamos no mundo: dos que
veem as coisas acontecerem ou dos que fazem as coisas acontecerem. Essas
provocações me levaram muito cedo a militância dos movimentos sócias na busca
por equidade.
A entrada nos movimentos sociais não se fez suficiente, precisava
entender melhor o porquê de tantas coisas que causavam, e continuam causando,
tantas injustiças. Soma-se a isso a figura dos “gurus” as pessoas com as quais
me aconselhava, apresentava minhas perguntas e pedia opiniões, opiniões estas
que vinham somadas de referencias, citações de pessoas, fatos históricos,
reflexões que estabeleciam conexões e que me deixam mais e mais inquieta e com
mais questões. Estes fatos me levaram para a universidade onde me deparei com a
prática acadêmica, da reflexão e debate sobre o pensamento de outros e formular
meu próprio pensamento. Onde percebi que eu poderia ocupar este lugar de ser a
provocadora do incômodo, a que coloca a “mosca
no quarto a zumbizar” como nos ensinou Raul Seixas.
Acredito que o maior desafio para nós intelectuais, seja dar uso real às
nossas pesquisas e reflexões. Por minha história de vida e o meu lugar na
sociedade, não acredito que possamos nos manter em um espaço de produção de
conhecimento espectador do mundo. Precisamos e podemos ampliar o diálogo entre
academia e sociedade, já que nossa prática é invariavelmente ligada à
sociedade. É preciso manter o “alerta constante” como afirma Said (Orientalismo/2003), e
principalmente estabelecer diálogos para que nossas reflexões não fiquem apenas
entre nós e nossos pares.
Estamos em um momento em nosso país
em que refletir sobre, é muito pouco. Precisamos reagir. E que essas reflexões
nos levem, e levem a outras pessoas, a reações que produzam algum tipo de
mudança na situação atual de privação da democracia. Perdemos a cada dia,
direitos conquistados a duras penas e a sangue derramado.
É tempo de reação. Hoje, mais que nunca, questiono: Qual é o papel do
intelectual? Para onde nossos pensamentos nos levam?
É tempo de pensar e de agir. E para isso a ação coletiva é fundante. Ou
vamos juntos, ou não vamos a lugar nenhum.
Feliz 2018!
Ana Gualberto
Historiadora - Mestranda em Sociedade e Cultura - UFBA
Assessora de KOINONIA
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