domingo, 7 de janeiro de 2018

Sobre tornar-se intelectual

No mês de setembro um dos temas que debatemos no grupo de pesquisa Etnomídia, do qual faço parte, foi sobre a diferença entre o acadêmico e o intelectual. Por isso, resolvi compartilhar com vocês algumas elucubrações sobre ser e torna-se intelectual.


A primeira coisa que vem à cabeça ao pensar na palavra intelectual é pensador, pessoa que reflete sobre, que formula. Entretanto, se a capacidade de pensamento é inerente ao ser humano, “penso, logo existo”, todos somos intelectuais? Para responder esta pergunta é preciso sair do primeiro impacto e construir um conceito de intelectualidade e de intelectual.

Tecendo aqui um comentário raso: para Gramsci (Cadernos do Cárcere/ 2001), todos os homens são intelectuais mesmo não exercendo a função, mas existem dois tipos que exercem. Os intelectuais orgânicos que estariam ligados a classes ou empresas e que seriam usados para conquistar o poder e o controle; e os intelectuais tradicionais que passam ano após ano permanecendo no mesmo lugar: não sou/estou em nem um polo nem em outro.



A capacidade de pensamento e de formulação  é sim inerente aos seres humanos. Porém, o que compõe o ser intelectual é a capacidade crítica e analítica, a capacidade de formular questões, possibilidades e caminhos a partir de onde está inserido, de construir incômodos que promovam mudanças. Nem sempre bem quisto nos espaços, mas necessário para “olhar além”, com elementos de outras experiências, somados a estudos e reflexões, construindo e desconstruindo conceitos e paradigmas.

O intelectual é um ser cotidianamente incomodado com o que lhe cerca. Este incômodo produz necessidade de novas formulações, novos caminhos, e de expressar-se dividindo seus incômodos, tirando as pessoas, ou pelo menos tentando tirar, de seus lugares de conforto.

Minha trajetória em tornar-se intelectual, se inicia nas provocações feitas por minha mãe ainda na infância para seus filhos, somos quatro no total.  Ela sempre nos questionava  sobre que lugar ocuparíamos no mundo: dos que veem as coisas acontecerem ou dos que fazem as coisas acontecerem. Essas provocações me levaram muito cedo a militância dos movimentos sócias na busca por equidade.

A entrada nos movimentos sociais não se fez suficiente, precisava entender melhor o porquê de tantas coisas que causavam, e continuam causando, tantas injustiças. Soma-se a isso a figura dos “gurus” as pessoas com as quais me aconselhava, apresentava minhas perguntas e pedia opiniões, opiniões estas que vinham somadas de referencias, citações de pessoas, fatos históricos, reflexões que estabeleciam conexões e que me deixam mais e mais inquieta e com mais questões. Estes fatos me levaram para a universidade onde me deparei com a prática acadêmica, da reflexão e debate sobre o pensamento de outros e formular meu próprio pensamento. Onde percebi que eu poderia ocupar este lugar de ser a provocadora do incômodo, a que coloca a “mosca no quarto a zumbizar” como nos ensinou Raul Seixas.

Acredito que o maior desafio para nós intelectuais, seja dar uso real às nossas pesquisas e reflexões. Por minha história de vida e o meu lugar na sociedade, não acredito que possamos nos manter em um espaço de produção de conhecimento espectador do mundo. Precisamos e podemos ampliar o diálogo entre academia e sociedade, já que nossa prática é invariavelmente ligada à sociedade. É preciso manter o “alerta constante” como afirma Said (Orientalismo/2003), e principalmente estabelecer diálogos para que nossas reflexões não fiquem apenas entre nós e nossos pares.  



Estamos em um momento em nosso país em que refletir sobre, é muito pouco. Precisamos reagir. E que essas reflexões nos levem, e levem a outras pessoas, a reações que produzam algum tipo de mudança na situação atual de privação da democracia. Perdemos a cada dia, direitos conquistados a duras penas e a sangue derramado.

É tempo de reação. Hoje, mais que nunca, questiono: Qual é o papel do intelectual? Para onde nossos pensamentos nos levam?

É tempo de pensar e de agir. E para isso a ação coletiva é fundante. Ou vamos juntos, ou não vamos a lugar nenhum.
 
Feliz 2018!

Ana Gualberto
Historiadora - Mestranda em Sociedade e Cultura - UFBA
Assessora de KOINONIA

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