Não sei se vocês sabem, mas eu moro em Irajá (do tupi, lugar onde brota o mel), um bairro tradicional do subúrbio do Rio de Janeiro. Na verdade, moro mais especificamente em Vista Alegre, uma espécie de “sub bairro” de Irajá que não para de crescer. Ano passado, ganhamos um Polo Gastronômico (Decreto nº 41.451 de 28 de março de 2016), por conta da grande concentração de bares e restaurantes na região.
Polo Gastronômico de Vista Alegre – Facebook Polo Gastronômico de Vista Alegre
Para quem quer conhecer, chegar por essas bandas não é tão difícil quanto muitos pensam. Temos uma linha de ônibus que faz o percurso até o Centro do Rio de Janeiro (349 – Rocha Miranda / Castelo), mas essa eu não recomendo, a gente nunca sabe o que esperar da Avenida Brasil...
Minha dica é o metrô. Por aqui, temos duas estações de fácil acesso: Irajá e Vicente de Carvalho. A estação de Irajá fica a 2,5km de distância do Polo Gastronômico e da Vicente de Carvalho 2,2km de acordo com o Google Maps. A maioria do pessoal que mora no bairro utiliza o metrô de Irajá por conta da grande quantidade de ônibus que passa por lá, mas eu prefiro Vicente – como é carinhosamente conhecida. Apesar de só ter um ônibus (629 – Irajá / Saens Pena), todos os carros têm ar-condicionado (o que é uma raridade!), e podemos saltar exatamente na porta da estação. Por isso a minha dica é essa, venham por Vicente!
Nessa estação também temos a conexão para o BRT e o ponto final da linha 950 – Vicente de Carvalho/Vista Alegre. Em poucos minutos estarão no Polo Gastronômico tomando aquela gelada e saboreando os diversos petiscos.
E por falar em BRT, Ana Gualberto, minha parceira do Caderno de Campo, foi uma ilustre moradora do bairro, mas o prédio onde morava na Rua Engenheiro Mario de Carvalho foi desapropriado para a construção da linha.
Sobre Irajá, sabemos que até o século XVI a região era habitada pelos índios tupinambá. Mais tarde, com a chegada por portugueses, transformou-se na maior sesmaria do Rio de Janeiro e grande produtora de cana-de-açúcar. Para quem quiser conhecer mais detalhadamente a história do bairro, sugiro as seguintes pesquisas: 1) De freguesias rurais a subúrbio: Inhaúma e Irajá no município do Rio de Janeiro (MOURA, 1997); 2) Senhores e Possuidores: a construção da propriedade da terra na freguesia de Irajá (Rio de Janeiro, século XIX) (SILVA, 2013); 3) Famílias escravas no Recôncavo da Guanabara: séculos XVII e XVIII (DEMÉTRIO, 2008).
A região também é conhecida pela Paróquia de Nossa Senhora da Apresentação (construída em 1644 e onde fui batizada em 1982), pelo Cemitério de Irajá (de 1895) e pelo Grêmio Recreativo Bloco Carnavalesco Boêmios de Irajá (1967) onde acontece a roda de samba Quilombo do Irajá.
E sobre Vicente de Carvalho? Vocês já ouviram falar?
Pois é, sabemos apenas que o nome do bairro remete a um antigo fazendeiro da localidade e que a Estrada de Ferro Rio D´Ouro inaugurou a estação de Vicente de Carvalho, em 15 de janeiro de 1883. Hoje, além do Morro do Juramento, o bairro também se destaca pelas preciosas Adega Duas Nações e Adega D´Ouro (será alguma referência a Estrada de Ferro Rio D´Ouro?). Podem apostar, essas duas relíquias barram qualquer novidade do Polo Gastronômico.
Sabemos também que esse fazendeiro Vicente de Carvalho costuma ser confundido com o poeta, contista, jornalista e juiz de Direito Vicente Augusto de Carvalho (1866-1924) de Santos (SP). E é aí que a história melhora.
O Vicente de Carvalho do município de Santos (SP) era um abolicionista que encaminhava escravos fugitivos para o Quilombo Jabaquara, liderado por Quintino de Lacerda. (Para conhecer melhor a história do quilombo e seu líder sugiro a dissertação de Matheus Serva Pereira: Uma viagem possível – Quintino de Lacerda e as possibilidades de integração dos ex-escravos no Brasil.). Inspirado nessa experiência, Vicente de Carvalho escreveu “Fugindo ao Cativeiro”, um de seus mais belos poemas. Vale a pena dar uma conferida.
De acordo com sua biografia, Vicente de Carvalho sempre viveu no estado de São Paulo. Não há nenhum registro que tenha residido no Rio de Janeiro. Mas, durante muito tempo, enquanto esperava o metrô, eu desejei que o abolicionista fosse o mesmo fazendeiro do subúrbio carioca. Até que um dia eu descobri que na Praça de Vicente de Carvalho existe um busto em homenagem ao poeta santista.
Para quem quiser conhecer outras poesias daquele que ficou conhecido como “o poeta do mar”, sugiro o livro de Cláudio Murilo Leal lançado pela Global Editora em 2005: Melhores Poemas de Vicente de Carvalho. Depois da leitura, sugiro um tour pelo bairro para conferir se o busto é mesmo do abolicionista com direito a parada para tomar uma gelada, comer bolinho de bacalhau nas adegas e fazer aquela selfie maneira.
Daniela Yabeta - Historiadora – Pós-Doc FAPERJ/ UFF - História - Editora da Revista do Observatório Quilombola
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