terça-feira, 25 de abril de 2017

O Quilombo de Barro Preto (MG) e a suspensão das titulações quilombolas pelo governo Temer

Sabe aqueles projetos que depois de um tempo percebemos que nunca vamos conseguir finalizar? Pois bem, o nosso Atlas do Observatório Quilombola é um deles.



Ele foi lançado em 2014 como um dos produtos do projeto “Apoio ao Fortalecimento Político das Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro” – promovido por KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, em parceria com a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj) e financiado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Na ocasião, nosso compromisso era disponibilizar um material referente as comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares no estado do Rio de Janeiro, o que foi realizado. Para saber mais, confira a notícia “KOINONIA lança Atlas Observatório Quilombola”



Apesar do sucesso do lançamento, eu, Ana Gualberto e Andrea Oliveira – bibliotecária de KOINONIA que também participou do projeto, pensamos grande e logo depois de finalizar o Rio de Janeiro, decidimos seguir a tabela da Fundação Cultural Palmares e marcar todos quilombos do Brasil. Resultado: um sonho gigante, que precisa de uma atualização constante e que conta com pouquíssimos braços. Mas o que importa é que seguimos tentando...

Uma das nossas tarefas no Atlas, além de relacionar as comunidades que foram certificadas em cada estado, é juntar o maior número de informações possíveis sobre esses grupos. Muitas vezes, já temos alguns textos produzidos que foram publicados no antigo Boletim Territórios Negros, mais precisamente nas colunas “Um Território” e “Fala Quilombola”. Além é claro, das notícias que são depositadas no Observatório Quilombola. É exatamente esse trabalho que estou fazendo agora.

Resolvi começar separando todos as colunas “Um território” que foram publicadas no período de 2003/2012, totalizando 27 edições. Ao chegar na edição nº 19 (2005) eu encontrei meu primeiro texto publicado “na vida”: Comunidade Quilombola do Barro Preto.

Na época, lembro da alegria pela minha primeira publicação e da minha decepção por não ter assinado o texto. A prática de assinar as colunas só passou a existir no ano seguinte (2006). Até então, meus créditos costumavam vir no final da revista, no campo denominado “pesquisa”. Na época, eu e Ana Gualberto iniciávamos nossa parceria e fechávamos nossa dobradinha revezando as colunas “Um território” e “Um pouco de História”. Aos poucos, além do Atlas Quilombola, também disponibilizaremos esses textos por aqui. Por ora, trago uma versão revisada e atualizada do que foi publicado em 2005 sobre a comunidade de Barro Preto.

O quilombo do Barro Preto está localizado no município de Santa Maria do Itabira, região do Vale do Aço, em Minas Gerais.

Anteriormente, a comunidade era conhecida como Córrego Santo Antônio, mas com o passar do tempo, adotou a denominação Barro Preto devido à prática de seus moradores de pintar a roupa de preto durante os períodos de luto, usando barro, cipó e gabiroba.

De acordo com a memória dos quilombolas, Barro Preto foi ocupada por volta da segunda metade do século XIX e teve suas origens na comunidade de Indaiá, localizada no município vizinho de Antônio Dias (MG). Acredita-se que escravos fugitivos em parceria com libertos tenham partido do Rio de Janeiro e da Fazenda das Pedras (MG) com destino a essa localidade. Os primeiros habitantes teriam sido Tobias Pires, João Grigó da Silva, Francisco Acácio e Quitéria Carneiro, esta última a maior detentora de terras da comunidade.

Os quilombolas contam também que, no pós-abolição, o governo concedeu terras às comunidades negras que se instalaram na região, mas os fazendeiros das proximidades se apoderaram delas por meios ilícitos, utilizando documentos falsos (processo conhecido como “grilagem”) e alegando que os que ali residiam não tinham título das propriedades.

A apropriação das terras também se deu por meio de dívidas contraídas pelos quilombolas com os fazendeiros locais, através de empréstimos financeiros. Como os quilombolas o conseguiam pagar os empréstimos, suas propriedades lhes foram tomadas. No entanto, essas dívidas jamais corresponderam ao valor real das terras. Atualmente, a área ocupada pela comunidade restringe-se a dois hectares e somente uma minoria possui título de comprovação de posse.

Barro Preto tem sua cultura marcada pela capoeira, danças associadas ao batuque, umbigadas, quadrilha e festas, como a de Santo Antônio (padroeiro da comunidade) e a festa da Vigília de Natal.

A organização da comunidade é feita através da associação de moradores, que leva o nome de Associação o Francisco de Barro Preto, fundada em 1986, bem como pelos grupos de capoeira e de artesãos.

Em maio de 2006, o quilombo do Barro Preto foi certificado pela Fundação Cultural Palmares (processo número: 01420.000989/2006-77). No mesmo ano, em parceria com os quilombolas de Indaiá, iniciaram através da Associação dos Quilombos Unidos do Barro Preto e Indaiá o processo de titulação do território junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra – processo número: 54170.001884/2006-91). Até o momento, a titulação não foi concluída.

Para finalizar, em junho de 2009, a Associação dos Quilombos Unidos do Barro Preto e Indaiá em parceria com a Associação dos Moradores Quilombolas de Santana – Quilombo Santana (PE) e a Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Mato Grosso do Sul apresentaram-se como amicus curae (Lei Federal 9869/99) no processo correspondente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3239/2004) impetrada pelo Partido da Frente Liberal (PFL – atual DEMOCRATAS), contra o Decreto 4887 de 20 de novembro de 2003, que “regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.

O partido requerente alega a inconstitucionalidade do referido Decreto basicamente por três motivos: 1) por conta da inexistência de uma lei prévia que confira validade ao mesmo; 2) por serem contrários ao princípio da autoatribuição como remanescente de quilombo; 3) por serem contrários possibilidade de demarcação do território a ser titulado a partir da comunidade interessada.

Em abril de 2012 a ADI 3229 foi julgada e o Ministro Relator Cézar Peluso votou pela inconstitucionalidade do Decreto 4887. Porém, por ocasião do pedido de vistas feito pela Ministra Rosa Weber, o julgamento foi suspenso. Três anos depois, em março de 2015, o julgamento foi retomado e, ao contrário do Relator, a Ministra votou pela improcedência da ação e constitucionalidade do Decreto. Na mesma ocasião, o Ministro Dias Tóffoli interrompeu novamente a sessão pedindo vista de processo.

Enquanto aguardávamos um novo julgamento, o presidente Michel Temer, que tem como sua base aliada de governo a bancada ruralista, mandou suspender a titulação de territórios quilombolas no Brasil até que o Superior Tribunal Federal conclua o julgamento, o que não tem prazo para ocorrer.

Enquanto isso, cerca de 1.500 processos de titulação que foram abertos no INCRA, incluindo o de Barro Preto, ficam parados deixando essas comunidades ainda mais vulneráveis, sujeitas a invasões, expulsões, ameaças, atendados...esse é o governo de Michel Temer.

P.S: Para quem quiser ler uma pesquisa legal sobre o quilombo do Barro Preto, sugiro a dissertação de Isis Silva “Entre Sonhos e Lutas: as vivências quilombolas no Barro Preto”.


Daniela Yabeta – Historiadora, POS-DOC FAPERJ – História UFF/ Editora da Revista do Observatório Quilombola

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