sexta-feira, 26 de maio de 2017

Dona Dandinha parte II - a entrega da cadeira de rodas no quilombo Pitanga dos Palmares (BA)

Hoje vamos contar mais um capítulo da história de Maria Cândida dos Santos, conhecida como Dona Dandinha - a matriarca quilombola de Pitanga dos Palmares. Vocês conheceram a história dela no texto publicado por Daniela Yabeta no último dia 03 de abril. Para relembrar, basta clicar aqui.

Dona Dandinha foi diagnosticada com DPOC – Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, o que torna sua respiração muito difícil. Além do oxigênio, fornecido pelo SUS – Sistema Único de Saúde, ela também necessitava de uma cadeira de rodas para melhorar sua qualidade de vida.

Ficamos sabendo da necessidade da cadeira de rodas no mês de março, através de uma mensagem do Flávio Pacífico, presidente da Associação Quilombola de Pitanga dos Palmares. A partir daí, iniciamos a campanha através de uma vaquinha online. Foi um sucesso!

No dia 18 de maio, uma quinta-feira chuvosa em Salvador, sai do bairro da Federação, onde moro, com a missão de concretizar uma ação coletiva, que contou a participação de colaboradores de diversas localidades. 

A caravana foi composta por três pessoas: eu, a jornalista Ivana Flores (que aceitou a missão de fazer as imagens) e Carlos, nosso uberista de fé. Seguimos rumo a comunidade quilombola de Pitanga do Palmares, localizada em Simões Filho, região metropolitana de Salvador, para entregarmos a cadeira de rodas. 

Embora o quilombo seja relativamente próximo a Salvador, eu não conhecia nada do lugar, então, fomos de coração aberto para tudo. Durante a viagem de pouco mais de uma hora, falamos sobre a urbanização, os desafios de morar nas proximidades de rodovias, conjecturamos sobre como seria a configuração comunitária, e principalmente, em como seria a reação de Dona Dandinha com a entrega de seu presente.

Foi então que descobri que Pitanga dos Palmares é cortada por uma rodovia, que como todos nós sabemos ou podemos imaginar, produz um impacto muito maior do que é visível. Sempre que isso acontece, é fundamental reforçar as conexões históricas, culturais e sociais que mantem a identidade coletiva do grupo. 

Além da rodovia, encontramos algo que, nestes meus quase 15 anos de andanças por comunidades quilombolas, nunca encontrei: um presídio que foi construindo em 2002 nas terras da comunidade.

Como isso é possível? Que tipo de governo constrói um presídio numa área coletiva de preservação de modo de vida diferenciado? Quais impactos isso leva a vida dos quilombolas? E das mulheres? Mil questões passaram pela minha cabeça.

E aí, chegamos na Capela de São Gonçalo, casinhas coloridas e muitas árvores! Conhecemos o Flávio Pacífico e ele nos levou até uma linda casinha, onde na varanda, sentada numa cadeirinha estava ela, Dona Dandinha, que nos recebeu com um sorriso aberto! 

Casa Dona Dandinha - Foto: Ivana Flores

Foi difícil segurar e emoção de ouvir: “Oi, minha filha! ”. Com a voz falhada, a matriarca da comunidade estava à espera do carinho que veio de longe. Me senti com muitos braços, pois eu a estava abraçando por todas as pessoas que de longe, se solidarizaram com a situação de vulnerabilidade dela.

Ana Gualberto e Dona Dandinha - Foto: Ivana Flores

Mas vamos a outras coisas que rapidamente soubemos durante a visita à comunidade e através de nossa conversa com o Flávio.

Existe a casa do samba! Que é o memorial da cultura da comunidade. Lá é onde guardam os instrumentos do samba de viola, do qual ele hoje é o violeiro. Guardam também o Boi do Bumba Meu Boi.

Memorial de Cultura - Foto: Ivana Flores


A comunidade é devota de São Gonçalo e adivinhem quem é a principal devota? Ela mesma: Dona Dandinha! Mesmo doente ele ainda pede para que seus familiares e cuidadores ascendam velas para São Gonçalo, São Jorge e outros santos de sua devoção.

Guardam também o presépio e as palhas de são gonçalinho que é uma planta de grande prestígio dentro dos terreiros de candomblé de nação Ketu, pois está ligado ao orixá Oxossi. Esta planta é usada em uma festividade chamada “Queima da palhinha” que acontece de dezembro a janeiro.

Flávio Pacífico e o presépio - Foto: Ivana Flores

Na comunidade também existe (e resiste) um Ilê Axé, mesmo com a chegada de muitas igrejas. Segundo Flavio, hoje são 14 igrejas evangélicas diretamente em contato com a comunidade.

Falamos também sobre as lutas do quilombo e sobre as relações com o governo estadual da Bahia, que tem apoiado algumas ações, principalmente no que se refere a produção agrícola e comercialização. Quanto ao governo municipal, de acordo com os quilombolas, ignoram a existência da comunidade.

Foi uma visita rápida que deixou aquele gostinho de quero mais! E claro, assim que eu souber mais coisas sobre a comunidade, vou compartilhar com vocês.

Por hoje gostaria de registrar o momento de amor que vivenciei através da ação de muitas pessoas. Sintam os beijos e o sorriso de Dona Dandinha, além de meu sentimento de esperança e gratidão!!!!


Ana Gualberto
Historiadora - Metranda Cultura e Sociedade UFBA 
Editora do Observatório Quilombola



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