sábado, 10 de junho de 2017

Manifesto em apoio ao quilombo de Acauã (RN)

Para encerrar a semana, pedimos a todos/todas que assinem a petição pública em apoio à comunidade quilombola de Acauã, localizada no município de Poço Branco - Rio Grande do Norte. 

Acauã foi certificada como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares em setembro de 2004 (processo: 01420.000603/2004-65) e hoje luta pela garantia de seu território no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). 

Parte das terras reivindicadas pela comunidade inclui uma área da Fazenda Boa Esperança, que em 2008, foi desapropriada por interesse social. Acontece que seus proprietários questionaram o valor da indenização e a própria constitucionalidade do Decreto 4887 de 20 de novembro de 2003. Sendo assim, impetraram uma ação judicial pedindo a revogação da titulação do quilombo de Acauã. 

O processo já foi julgado em primeira instância, com vitória dos quilombolas, mas os latifundiários mantiveram a ação recorrendo ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região. O julgamento está previsto para 21 de junho. 

Vale a pena lembrar que, ao questionarem a constitucionalidade do referido Decreto, o julgamento não terá apenas efeitos para o quilombo de Acauã. A decisão atingirá também as comunidades quilombolas de todo o país. 

Para conhecer a história da comunidade, leia a dissertação de Alberto Gutiérrez Arguedas: "Território para viver", do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). 

Aproveitamos também para publicar o manifesto que será enviado ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região:



Manifestamos nosso apoio à Comunidade de Acauã-RN nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0009091-41.2012.4.05.8400/01, que deverá ser julgada por este E. Tribunal Regional Federal na data de 21 de junho de 2017, quando então se discutirá a constitucionalidade do Decreto Federal 4.887/03. 

A maior parte das famílias da comunidade quilombola de Acauã foi atingida pela construção da barragem de Poço Branco, iniciada no fim da década de 1950 e completada em 1969. A antiga cidade de Poço Branco foi inundada, bem como os povoados e comunidades rurais situadas à beira do rio, dentre eles a antiga Acauã. Suas famílias foram removidas e passaram a residir em novos lugares, como a atual localização da comunidade quilombola Acauã. Segundo a história oral, aquela área teria sido descoberta no passado por José Acauã, um escravo fugido de outras terras. As versões deste momento originário envolvem a chegada dos antepassados das atuais famílias de Acauã, que iniciaram no local uma rede de relações de parentesco e de aliança. 

Acauã foi certificada pela Fundação Cultural Palmares como comunidade remanescente de quilombo em 2004, e desde então luta pelo reconhecimento do seu direito constitucional à propriedade definitiva da área em que se encontra e pela implementação de políticas públicas para o seu povo. 

Em um contexto mais amplo, apenas após séculos de opressão física, social e moral a Constituição Federal de 1988, em sua integralidade, inaugurou um processo histórico de retirada das comunidades quilombolas de uma situação de invisibilidade jurídica, econômica, social e política. Contudo, as conquistas obtidas pelas comunidades quilombolas podem sofrer graves retrocessos se esta E. Corte não confirmar a constitucionalidade do Decreto Federal 4.887/03. 

A eventual declaração de inconstitucionalidade violará o texto constitucional por omissão, na medida em que a Constituição, que cria direitos de acesso à terra para quilombolas, ficará amortecida e amordaçada. Assim, coloca-se a esta Corte a missão histórica de não impedir que o Poder Executivo efetive o direito constitucional dos remanescentes de quilombo. 

Nesse sentido, se espera que este E. Tribunal possa fazer prevalecer a primazia da Constituição, muitas vezes vulnerada e desrespeitada por inadmissíveis omissões dos poderes públicos. A declaração de constitucionalidade do Decreto Federal 4.887/03 pelo Poder Judiciário é necessária, pois o Poder Executivo não está a omitir ou retardar a aplicação do direito, muito ao contrário, dá efetividade e aplicação concreta ao artigo 68 do ADCT da Constituição Federal. 

As disputas quanto ao conceito de remanescente de quilombo e quanto à extensão dos direitos territoriais quilombolas se resolvem em nível constitucional, pela natureza de direito fundamental que a norma apresenta. Quando a Constituição garantiu aos remanescentes das comunidades de quilombos o título das terras que ocupam, tutelou o legislador o direito ao trabalho, à preservação da cultura, dos costumes e tradições dessas comunidades. 

Logo, não há relevância jurídica em positivar constitucionalmente um direito de acesso à terra sem que este se efetive e desempenhe sua função precípua para as comunidades e para a sociedade brasileira. De nada adiantaria titular uma área ínfima, que não se preste à manutenção de uma comunidade rural que sobrevive do trabalho com a terra, que não garanta minimamente o desenvolvimento das relações culturais e sociais de cada grupo. Assim, o único sentido prático viável de ser aplicado ao art. 68 do ADCT da CF, quanto à sua extensão, está ligado à titulação das terras que tradicionalmente são ou foram utilizadas por remanescentes das comunidades de quilombos para manutenção da vida. 

Ademais, o Decreto Federal 4.887/2003 não utiliza única e exclusivamente o critério da auto-atribuição para que se definam, em procedimento administrativo específico, se os pleiteantes são beneficiários do direito previsto a Constituição. Do ponto de vista jurídico e antropológico, a auto-atribuição é um dos requisitos essenciais para que, em cada caso, a administração possa averiguar se os pleiteantes devem ser beneficiários do direito previsto no art. 68 do ADCT da CF. Frise-se que as comunidades de quilombos repudiam a classificação e a conceituação que a história oficial lhes impôs. Para as comunidades os quilombos não são espaços de negros fugidos, mas espaços de luta e resistência à opressão histórica de séculos de escravidão, preconceito e racismo, como é o caso da comunidade quilombola Acauã. 

Por fim, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239 no Supremo Tribunal Federal, que tem por objetivo justamente a declaração de inconstitucionalidade do Decreto Federal 4.887/03, teve seu julgamento iniciado no ano de 2012, e atualmente está empatada com um voto pela inconstitucionalidade, proferido pelo Ministro Cesar Peluso, e outro pela constitucionalidade, voto proferido pela Ministra Rosa Weber. 

Nesse sentido, requeremos a Vossas Exas., com todo respeito, que julguem pela constitucionalidade nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0009091-41.2012.4.05.8400/01, mantendo o Decreto Federal 4.887/03 na sua integralidade, pois apenas assim as comunidades quilombolas de todo o Brasil poderão continuar a avançar no processo histórico de afirmação e conquista de direito humanos. 


Daniela Yabeta
Historiadora - Pós-Doc em História (UFF-FAPERJ)
Editora da Revista do Observatório Quilombola

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