quarta-feira, 26 de julho de 2017

26 de julho: sobre o quilombo de Santana (Quatis/RJ)


Para quem não sabe, 26 de julho é o Dia da Avó em comemoração à Santa Ana, mãe de Maria, avó de Jesus. No sincretismo religioso, Santa Ana corresponde ao orixá Nanã. De acordo com Pierre Verger, Nanã é “considerada a mais antiga das divindades das águas, não das ondas turbulentas do mar, como Iemanjá, ou das águas calmas dos rios, domínio de Oxum, mas das águas paradas dos lagos e lamacentas dos pântanos”. 


Em 26 de julho também comemoramos o Dia Estadual do Jongo no Rio de Janeiro. Em dezembro de 2011, a Lei 6098 incluiu a data no calendário oficial do estado. No seu artigo 2º, foi determinado que “na data a que se refere esta lei serão desenvolvidas, em todo o estado, em especial nas escolas públicas estaduais, ações, estratégias e políticas, elaboração de projetos e organização de debates, seminários, audiências públicas e outros eventos relacionados ao jongo”. Há exatamente dois anos atrás, inauguramos o Memorial do Jongo na cidade de Pinheiral, trabalho referente ao projeto Passados Presentes: Memória da Escravidão no Brasil.


No Rio de Janeiro também temos uma comunidade remanescente de quilombo batizada com o nome da santa. Por conta desse dia tão festivo, decidi trazer um pouco da história do quilombo de Santana para nosso Caderno de Campo da semana.


O quilombo de Santana está localizado no distrito de Ribeirão de São Joaquim, município de Quatis. No século XIX, de acordo com Tânia Gonçalves, o território da Fazenda de Sant´Anna – originalmente chamada Fazenda do Retiro, pertencia ao comendador Manoel Marques Ribeiro. Foi ele quem mandou construir, em 1867, a capela em homenagem a santa. O comendador era casado com Anna Esméria Nogueira e pai de Maria Isabel.

Em 1869, após a morte de Manoel Marques Ribeiro, suas terras ficaram para sua filha, que a essa altura, já estava casada com João Pedro de Carvalho – filho do Barão do Cajuru. Juntos, Maria Isabel e João Pedro passaram a administrar a fazenda e em 1878, dez anos antes da abolição da escravidão no Brasil, distribuíram os lotes ao redor da capela de Santa Ana, aos ex-escravizados que viviam por lá. Os quilombolas de Santana são descendentes desse grupo.

Em 1999 a comunidade de Santana foi certificada como remanescente de quilombo. Nessa mesma época, o processo administrativo de titulação do território era competência da Fundação Cultural Palmares – de acordo com o Decreto 3912/ 2001, e o mesmo chegou a ser finalizado. Porém, de acordo com Aline Caldeira Lopes e Mariana Trotta, o cartório local se recusou a registrar o título. E mais, impetrou na Justiça Estadual uma ação de suscitação de dúvida referente ao processo, o que acabou impedindo a sua conclusão.

Em 2003, com o Decreto 4887 de 20 de novembro, a instituição responsável pela titulação do território passou a ser o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Sendo assim, um novo processo administrativo foi aberto em 2004. Desde então, a comunidade segue tentando, mais uma vez, a titulação do território como remanescente de quilombo, o que envolve, além do processo administrativo, outras ações no judiciário.

Para quem quer saber mais sobre a comunidade, destaco duas pesquisas. A primeira é a dissertação de mestrado em História da Patrícia Cavalcante: “Nem ladrões de porcos, nem de terras: a comunidade quilombola de Santana” - Universidade Severino Sombra/ 2014. A segunda é a tese de doutorado em Educação de Tânia Amara Vilela Gonçalves: “Tornar-se quilombola: políticas de reconhecimento e educação na comunidade negra rural de Santana (Quatis/RJ)” – Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio)/2013.

Para finalizar, deixo aqui meu registro pelas comemorações na cidade de Santa Ana del Yacuma (Beni – Bolívia), onde vive uma grande parte da minha família. Com o sangue boliviano que tenho, neta de Dona Olga Yabeta, não posso deixar de prestar a minha homenagem a santa. Um dia, ainda iriei festejar o dia 26 de julho ao lado de vocês. 

Daniela Yabeta
Historiadora
Pesquisadora Pós-Doc - Departamento de História - FAPERJ/ UFF

terça-feira, 11 de julho de 2017

IPN e Quilombo da Pedra do Sal: outros patrimônios da humanidade

O Caderno de Campo dessa semana veio para celebrar o reconhecimento do Cais do Valongo como Patrimônio Cultural da Humanidade, através do Comitê do Patrimônio Mundial, ligado a Organização das Nações Unidas pela Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). 

Estou muito orgulhosa de ter participado de uma das etapas da elaboração do dossiê de candidatura. Essa conquista envolveu muita gente, mas faço questão de destacar o grupo com o qual trabalhei, formado por Milton Guran, Mônica Lima, João Maurício Bragança e Cláudio Honorato. 

Dentro dessa conversa toda em torno do Cais, vale lembrar que ele esta inserido dentro de um complexo conhecido como "Pequena África". Sendo assim, considero que para entender a sua magnitude, é muito importante conhecer também dois pontos localizados próximos ao Cais: O Instituto Pretos Novos e o Quilombo da Pedra do Sal.

Pretos Novos era o nome dado aos africanos escravizados que desembarcavam em território brasileiro. Com relação ao Cais do Valongo, os que não sobreviviam a viagem, ou morriam logo depois de chegarem no Rio de Janeiro, eram depositados em valas comuns. O cemitério funcionou entre 1769-1830 e ficou escondido até 1996, quando a proprietária da casa construída sobre ele, Merced Guimarães, encontrou restos mortais durante uma reforma no imóvel. É lá que funciona hoje o Instituto Pretos Novos, administrado pela própria Merced e seu marido Petruccio Guimarães. Há poucas semanas através, foi encontrado o primeiro esqueleto completo nas escavações realizadas no local. Trata-se de uma mulher de aproximadamente 20 anos, que foi batizada pelos pesquisadores como Josefina Bahkita, em homenagem a primeira santa africana da igreja católica. Apesar da importância história do cemitério, o IPN passa por um momento de falta de recursos e ameaça fechar suas portas. 

Sobre o Quilombo da Pedra do Sal, ele foi certificado como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares em 05 de dezembro de 2005 e em 22 de julho de 2014, através da Lei 5781, foi reconhecido como Área de Especial Interesse Cultural. 

Os quilombolas da Pedra do Sal lutam desde 2005, através de processo aberto no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), pela titulação de seu território. Sua história de resistência remonta ao período do tráfico negreiro na região. 

Durante minha pesquisa para o dossiê do Cais do Valongo, encontrei vários anúncios como esse que segue. O que nos mostra a movimentação da região envolvendo desembarques de africanos escravizados, fugas, comércio, mortes e etc. 

Diário do Rio de Janeiro: 06 de outubro de 1823


Portanto, deixo aqui o meu registro de alegria pela conquista do reconhecimento do Cais do Valongo, sem jamais esquecer que é necessário manter o Instituto dos Pretos Novos funcionando, assim como garantir titulação do território quilombola da Pedra do Sal. 

Segue o baile. 


Daniela Yabeta
Historiadora - Pós-Doc História UFF/FAPERJ

terça-feira, 4 de julho de 2017

A publicação do RTID do quilombo da Rasa

No último dia 26 de junho, foi publicado no Diário Oficial da União, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade remanescente de quilombo da Rasa, localizada no município de Armação dos Búzios (RJ). O texto é o seguinte:

SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL NO RIO DE JANEIRO
EDITAL Nº 3, DE 16 DE MAIO DE 2017

O Superintendente Regional do INCRA no Estado do Rio de Janeiro, no uso das atribuições que lhe confere o Artigo 119 do Regimento Interno da Autarquia, aprovado pela Portaria/MDA/n. 69 de 19 de outubro de 2006 e publicado no DOU do dia 20 seguinte, com fundamento no Art. 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, em cumprimento ao Decreto n.  4887, de 20 de novembro de 2003, TORNA PÚBLICO que tramita na citada Superintendência o Processo Administrativo n. 54180.001112/2004-78, que trata da regularização fundiária das terras dos Remanescentes das Comunidades dos Quilombos de RASA, localizadas no Município de Armação dos Búzios/RJ.
O quilombo é composto por 422 famílias, e o território em processo de regularização é de 109,7228 ha, composto por 9 áreas como a seguir: área 1 - Reduto - com 1,1149 ha, confrontando com a Rua Justiniano de Souza, Condomínio Búzios Green Ville I, Travessa Aristides de Oliveira e outros lindeiros; área 2 - Posto 1 - com 1,0981 ha, confrontando com a Rua Justiniano de Souza, Travessa Justiniano de Souza e outros lindeiros; área 3 - Posto 2 - com 0,6936 ha, confrontando com a Rua Justiniano de Souza, Travessa Justiniano de Souza, Rua da Assembleia e Travessa da Assembleia; área 4 - Posto 3 - com 0,5109 ha, confrontando com a Rua Justiniano de Souza, Servidão, outros lindeiros e área da Prefeitura; área 5 - Zioleiro / Mangue de Pedras - com 22,1590 ha confrontando com terras de marinha, Rua Carlito Goncalves, Sodema, outros lindeiros, rodovia RJ 102, servidão e Alcelino Antonio da Costa; área 6 a Arataca / Bosque de Búzios - com 29,2032 ha confrontando com a Rua da Quitanda, outros lindeiros, Estrada Velha da Baia Formosa, Rua dos Flamboyants e Avenida dos Bosques; área 7 - Campinho de Areia / loteamento Praias Rasas - com 9,3673 ha confrontando com remanescentes da quadra 206, Rua 14, Rua 43 e Rua 13; área 8 - Taua Cemitério / Sitio Santo André / Sitio Asa Branca - com 8,0531 ha confrontando com Mario Moreira, Rua 7 e Herculano Jose Machado; área 9 - Felix / Fazenda Porto Velho - com 37,5227 ha confrontando com o espolio de Joao Cruz, Henrique Bueno, Belarmino Alves de Azevedo e Estrada Velha da Baia Formosa;
As áreas do Reduto e Posto de Saúde 1, 2 e3 são ocupadas pelos quilombolas e possuem Escritura de Compra e Venda; a área de Zioleiro/Mangue de Pedras tem título RGI em nome de Sodema, matriculas 4.951 e 4.945; Arataca/Bosque de Búzios tem RGI em nome de CMCC, matricula 19.962; Campinho de Areia possui Escritura de parte das quadras em nome de Marcelo de Sampaio e Pedro Mangia, e da Sra. Ariadini, e também RGI matriculas 6.717 e 6.731; Cemitério Taua/ Sitio Santo André / Sitio Asa Branca tem Escritura de Cessão de Posse em nome de Um Meia Oito / Leonardo Moreira; Felix/Fazenda Porto Velho tem RGI em nome de Henrique Bueno, matricula 7.091.
Nestes termos o INCRA/SR-07 (RJ) COMUNICA que notificará os detentores de domínio abrangidos no perímetro descrito e os demais ocupantes e confinantes, que terão o prazo de 90 dias (a partir da última publicação do presente edital nos diários oficiais da União e do Estado do Rio de Janeiro, e do recebimento da Notificação referente) para, querendo, apresentarem suas contestações ao Relatório Técnico. As contestações instruídas com as provas pertinentes deverão ser encaminhadas para a Superintendência Regional do INCRA no Rio de Janeiro, situada na Av. Presidente Vargas, 522 - Centro/Rio de Janeiro/RJ. Informa ainda que, de segunda a sexta-feira, no mesmo local, durante o expediente de 09:00 as 12:00 e das 14:00 as 18:00 horas, o Processo Administrativo n.54180.001112/2004-78, em cujos autos se processa o feito, estará à disposição dos interessados para consulta.

O quilombo da Rasa foi certificado pela Fundação Cultural Palmares em 16 de março de 1999 (processo nº: 0420.000101/1999-51) e desde 2004 tem processo aberto no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para titulação de seu território (nº 54180.001112/2004-78). No entanto, precisamos lembrar que a trajetória de resistência dos quilombolas da Rasa começou muito antes da abertura desses processos. 

Para vocês terem uma ideia, de forma bem resumida, funciona assim: primeiro a comunidade precisa se autodeclarar remanescente de quilombo e buscar a certificação na Fundação Cultural Palmares. Depois ela pode abrir o processo administrativo pela titulação do território no INCRA, que logo em seguida deve começar a produção do RTID. Após a conclusão do RTID o documento é submetido à análise do Comitê de Decisão Regional do INCRA, que pode aprovar ou reprovar o relatório. Quando aprovado, o próximo passo é a publicação. É nessa etapa que o quilombo da Rasa se encontra. 

Portanto, foram 13 anos para chegar até aqui, é preciso lembrar que ainda temos um longo caminho pela frente. De qualquer forma, é uma importante vitória e precisa ser comemorada. Para entender como funciona o processo de titulação clique aqui, a Comissão Pró-Índio de São Paulo tem um esquema bem didático. 

Impossível falar do quilombo da Rasa e não mencionar o nome de Carivaldina Oliveira da Costa, a Dona Uia, grande liderança da região. Ela nasceu em 3 de junho de 1941 no território da Rasa e é uma grande referência no movimento quilombola. Sua força, garra e determinação é uma inspiração para todos. Em maio de 2013 tive a honra de conversar com ela e registrar em vídeo, para acessá-lo, clique aqui e aprenda um pouco mais sobre a história do quilombo.


Parabéns aos quilombolas da Rasa por sempre acreditarem e nunca desistirem. Seguimos aguardando as novas etapas do processo de titulação. 


Daniela Yabeta
Historiadora/ Pós-Doc História – UFF
Editora da Revista do Observatório Quilombola







Encontro de Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro

Entre os dias 10-12 de agosto, estive em mais um Encontro das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro. Este foi o quinto encont...