Sempre que vai chegando o dia 13 de maio, minha
memória viaja até 1988, ano do centenário da abolição da escravidão! Um período
memorável em vários sentidos. Entretanto, hoje escolhi trazer para nosso
Caderno de Campo, lembranças do carnaval daquele ano. Lembrança da festa!
Desfile 1988 – Salgueiro/ Ouro
de Tolo
Fevereiro de 1988. Eu tinha 11 anos e, como
sempre, assisti todo o desfile das escolas de samba do carnaval carioca. Ficava
acordada até de madrugada em frente a TV. Foi incrível ver na avenida tantas
referências ao povo preto. Tantas coisas lindas!
Enquanto eu assistia impactada aos desfiles, minha
mãe falava sem parar da luta pela nossa constituição e de como aquele ano era
importante para todo o povo brasileiro. Esperávamos por um momento de passar a
limpo o racismo instituído em nossa sociedade. A memória da alegria e da
esperança daquele tempo, divide espaço com a realidade enfrentada hoje, onde muitos
daqueles nossos sonhos continuam ainda no plano dos sonhos...
Quando os desfiles terminaram eu já havia
escolhido a minha preferida. Era tão óbvio na minha cabeça: tinha que ser a Mangueira! Vale destacar
que na época eu era imperiana e hoje sou portelense. Sendo assim, foi uma
escolha “técnica”.
Desfile 1988 – Mangueira / Ouro
de Tolo
Mas por que tinha que ser a Mangueira? Afinal de contas,
em 1988 a Vila Isabel
foi a grande campeã com o clássico “Kizomba, a festa da raça”.
Desfile 1988 – Vila Isabel / Ouro
de Tolo
Bem, o resultado do carnaval de 1988 já foi muito
debatido pelo clã Gualberto, minha família. Enquanto eles defendem a vitória da
Vila Isabel eu argumento em defesa da Mangueira da seguinte forma: 1) O
carnaval da Mangueira foi perfeito, com a típica animação verde-e-rosa; 2) O
samba enredo da Mangueira “100 anos de liberdade, realidade ou ilusão” falava
do ontem e do hoje, da realidade do povo negro, coloca em dúvida o conceito de
abolição; 3) O samba também traz elementos do sonho de superação do racismo e da
contribuição do negro na sociedade.
Sobre a “festa” de Vila Isabel, eu não me
sentia incluída. Até hoje precisamos convencer
as pessoas, em diversos espaços, que o racismo existe e continua sendo
estrutural na sociedade. Precisamos debater o fato de não comemorar o 13 de
maio, questionar o conceito de abolição da escravização do povo negro. Tudo que
estava lá, dito no samba da Mangueira!
Maio de 2017. Estamos diariamente perdendo direitos
que foram duramente conquistados por conta de um governo ilegítimo que não
respeita a Constituição de 1988 e que ignora o povo. Vivemos a ameaça da reforma
da previdência, que pretende colocar a idade mínima de 65 anos para homens
e mulheres se aposentarem e que aumenta o prazo mínimo de contribuição de 15
para 25 anos. Popularmente ela é chamada de “a volta da Lei
dos Sexagenários”.
Também vivemos a ameaça do Projeto de Lei de
autoria do Deputado Nilson Leitão (PSDB/MT) que propõe instituir “novas” normas
reguladoras do trabalho rural: aumento da jornada de trabalho para 12horas, pagamento
dos trabalhadores feitos com remuneração de qualquer espécie, podendo oferecer
moradia, alimentação, parte da produção ou concessão de terras em vez de
salário. Essa é a PL
6442/2016, popularmente conhecida como “a
volta da escravidão”.
Há alguns anos que uso a letra do samba enredo da
Mangueira de 1988 para debater com as comunidades negras rurais (e comunidades
de terreiro) sobre a abolição e a privação de direitos. É parte de minha
metodologia de reflexão e sensibilização.
Então minha gente, mais do que pensar no 13 de
maio é preciso pensar no dia 14, 15 e 16...Onde os ex-escravizados, agora
cidadãos livres (ou como diz Flávio Gomes e Olívia Cunha “Quase
Cidadãos”) encararam a realidade em busca de direitos. Direito por um
salário digno, por comida, por terra.
Apesar das dificuldades, precisamos lembrar que
somos sementes e temos raízes. O povo preto vive e resiste!!!!
Ana Gualberto
Historiadora, Mestranda em Cultura e Sociedade - UFBA
Assessora de KOINONIA
Nenhum comentário:
Postar um comentário