quinta-feira, 11 de maio de 2017

Entre o carnaval de 1988 e o 13 de maio de 2017

Sempre que vai chegando o dia 13 de maio, minha memória viaja até 1988, ano do centenário da abolição da escravidão! Um período memorável em vários sentidos. Entretanto, hoje escolhi trazer para nosso Caderno de Campo, lembranças do carnaval daquele ano. Lembrança da festa!

Desfile 1988 – Salgueiro/ Ouro de Tolo

Fevereiro de 1988. Eu tinha 11 anos e, como sempre, assisti todo o desfile das escolas de samba do carnaval carioca. Ficava acordada até de madrugada em frente a TV. Foi incrível ver na avenida tantas referências ao povo preto. Tantas coisas lindas!

Enquanto eu assistia impactada aos desfiles, minha mãe falava sem parar da luta pela nossa constituição e de como aquele ano era importante para todo o povo brasileiro. Esperávamos por um momento de passar a limpo o racismo instituído em nossa sociedade. A memória da alegria e da esperança daquele tempo, divide espaço com a realidade enfrentada hoje, onde muitos daqueles nossos sonhos continuam ainda no plano dos sonhos...

Quando os desfiles terminaram eu já havia escolhido a minha preferida. Era tão óbvio na minha cabeça: tinha que ser a Mangueira! Vale destacar que na época eu era imperiana e hoje sou portelense. Sendo assim, foi uma escolha “técnica”. 

Desfile 1988 – Mangueira / Ouro de Tolo

Mas por que tinha que ser a Mangueira? Afinal de contas, em 1988 a Vila Isabel foi a grande campeã com o clássico “Kizomba, a festa da raça”. 

Desfile 1988 – Vila Isabel / Ouro de Tolo

Bem, o resultado do carnaval de 1988 já foi muito debatido pelo clã Gualberto, minha família. Enquanto eles defendem a vitória da Vila Isabel eu argumento em defesa da Mangueira da seguinte forma: 1) O carnaval da Mangueira foi perfeito, com a típica animação verde-e-rosa; 2) O samba enredo da Mangueira “100 anos de liberdade, realidade ou ilusão” falava do ontem e do hoje, da realidade do povo negro, coloca em dúvida o conceito de abolição; 3) O samba também traz elementos do sonho de superação do racismo e da contribuição do negro na sociedade.


Sobre a “festa” de Vila Isabel, eu não me sentia incluída. Até hoje precisamos convencer as pessoas, em diversos espaços, que o racismo existe e continua sendo estrutural na sociedade. Precisamos debater o fato de não comemorar o 13 de maio, questionar o conceito de abolição da escravização do povo negro. Tudo que estava lá, dito no samba da Mangueira!


Maio de 2017. Estamos diariamente perdendo direitos que foram duramente conquistados por conta de um governo ilegítimo que não respeita a Constituição de 1988 e que ignora o povo. Vivemos a ameaça da reforma da previdência, que pretende colocar a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres se aposentarem e que aumenta o prazo mínimo de contribuição de 15 para 25 anos. Popularmente ela é chamada de “a volta da Lei dos Sexagenários”.


Também vivemos a ameaça do Projeto de Lei de autoria do Deputado Nilson Leitão (PSDB/MT) que propõe instituir “novas” normas reguladoras do trabalho rural: aumento da jornada de trabalho para 12horas, pagamento dos trabalhadores feitos com remuneração de qualquer espécie, podendo oferecer moradia, alimentação, parte da produção ou concessão de terras em vez de salário. Essa é a PL 6442/2016, popularmente conhecida como “a volta da escravidão”.


Há alguns anos que uso a letra do samba enredo da Mangueira de 1988 para debater com as comunidades negras rurais (e comunidades de terreiro) sobre a abolição e a privação de direitos. É parte de minha metodologia de reflexão e sensibilização.

Então minha gente, mais do que pensar no 13 de maio é preciso pensar no dia 14, 15 e 16...Onde os ex-escravizados, agora cidadãos livres (ou como diz Flávio Gomes e Olívia Cunha “Quase Cidadãos”) encararam a realidade em busca de direitos. Direito por um salário digno, por comida, por terra.

Apesar das dificuldades, precisamos lembrar que somos sementes e temos raízes. O povo preto vive e resiste!!!!



Ana Gualberto
Historiadora, Mestranda em Cultura e Sociedade - UFBA
Assessora de KOINONIA

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