quarta-feira, 11 de abril de 2018

Revisitando o Informativo Territórios Negros: Quilombo Sacopã (RJ)

No dia 07 de junho de 2016, o jornal O GLOBO publicou a seguinte notícia: Crime do Sacopã - autoria de assassinato de bancário na Lagoa ainda é um mistério

Trata-se do caso da morte do bancário Afrânio Arsênio de Lemos de 31 anos. Seu corpo foi encontrado dentro de um Citroën preto que lhe pertencia, estacionado na ladeira do Sacopã, bairro localizado na Lagoa, na manhã de 07 de abril de 1952. Dentro do automóvel, foram encontrados os documentos da vítima e uma fotografia da jovem Marina Andrade Costa, de 18 anos, com uma dedicatória a Afrânio: "Esse sorriso lhe pertence". A jovem havia terminado o namoro com o bancário ao descobrir que ele era desquitado. Identificada pelo então comissário Rui Dourado, Marina foi levada à delegacia para prestar depoimento. Logo em seguida, apareceu a sua procura o tenente da aeronáutica Alberto Bandeira de 22 anos, identificando-se como namorado da moça. A partir daí, o caso ganhou notoriedade como um possível crime passional, envolvendo um triângulo amoroso. Apesar do tenente Bandeira ter sido condenado pelo crime, o caso ainda hoje, conforme a própria notícia destaca, é considerado um mistério.  

Em 1963, Roberto Pires fez desse imbróglio a base para o filme "Crime no Sacopã". O elenco contou com a participação do próprio acusado, o tenente Bandeira. 


Dando continuidade à atualização do Atlas Quilombola me deparei com um dos crimes de maior repercussão no Rio de Janeiro. Chegamos então, ao bairro da Lagoa, onde esta situado o quilombo Sacopã. Se você ficou interessado e quer saber mais sobre o caso, minha dica é que façam uma visita à comunidade quilombola e converse com os antigos moradores sobre o que "ouviram falar" na época. Na década de 1950, essa região da cidade ainda não era conhecida como local nobre, mas a família Pinto já estava por lá. 

No Informativo Territórios Negros n. 15, de abril/maio de 2004, encontramos o seguinte texto sobre o quilombo Sacopã publicado na coluna "Um Território":

"Desde a abertura dos primeiros procedimentos para reconhecimento de  comunidades remanescentes de quilombos , a partir de 1988, data da publicação do artigo 68 da Constituição Federal, as comunidades abrangidas por esse dispositivo constitucional são fundamentalmente de origem rural. Dezesseis anos após sua publicação, o número de comunidades reconhecidas ou reivindicando o reconhecimento cresce cada vez mais no país, abrangendo comunidades cada vez mais diversificadas. No ano de 2003, a Família Silva se tornou a primeira comunidade do país que pode vir a ter suas terras oficialmente reconhecidas como quilombo urbano, através de um convênio firmado entre a Fundação Cultural Palmares (FCP) e a prefeitura gaúcha para a produção de um laudo antropológico.

No Estado do Rio de Janeiro, porém, a possibilidade de reconhecimento oficial de uma área urbana como remanescente de quilombo foi aberta em 1999, quando a Assessoria de Assuntos Étnicos do gabinete da vice-governadora do estado, na época, Benedita da Silva, encaminhou ao Ministério Público Federal (MPF) e à FCP um “relatório de inspeção técnica” solicitando um “levantamento histórico” referente às famílias habitantes da Ladeira do Sacopã, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. O MPF, em seguida, solicitou a FCP a “elaboração de um laudo antropológico de identificação que viabilize o reconhecimento da comunidade como quilombola”.

A Família Pinto, ocupando a área desde o final do século XIX, vem travando uma intensa batalha judicial para permanecer em suas terras. Moradores de um dos locais mais privilegiados da cidade do Rio de Janeiro, com vista panorâmica para o Morro do Corcovado e para a Lagoa Rodrigo de Freitas, localizados no bairro da Lagoa, as famílias começaram a ser pressionadas por grandes empresas imobiliárias desde a década de 70. Neste período, os moradores enfrentaram inclusive soldados armados que chegaram às suas casas para cumprir uma ordem de despejo.

Os atuais moradores do endereço nobre da Ladeira do Sacopã são descendentes de escravos vindos da região norte do estado, fugidos da escravidão. Os antigos contavam que um escravo, chamado Mariano Paletó, que tinha herdado de seus senhores as terras dessa fazenda, encaminhava sigilosamente escravos fugidos para essa região. Anos mais tarde, um dos filhos desse ancestral da Família Pinto começou a trabalhar como empregado da proprietária Astreia Bhering Oliveira Matos, que posteriormente lhe cedeu as terras. Mesmo após a morte dessa proprietária e a transformação daquelas terras em reserva florestal, a Família Pinto permaneceu no local, que foi progressivamente se transformando em um bairro de luxo cercado de mansões.

Os vinte mil metros quadrados ocupados, em 1999, por 42 pessoas há mais de cem anos, transformaram-se em um famoso pagode, conhecido como “Só na lenha”, frequentado por grandes nomes do samba carioca e por uma plateia de jovens universitários de classe média. Os membros dessa família, há cerca de vinte anos, criaram o  Grupo de Pagode Sacopã , que chegou a reunir mais de duzentas pessoas em torno de uma feijoada. As atividades do grupo, porém, foram interrompidas pelo Condomínio do Edifício Cambury que alegava o horário impróprio para o funcionamento do pagode.

Ao contrário do que aconteceu na cidade de Porto Alegre, onde a prefeitura firmou um acordo com a FCP para reconhecer a comunidade como quilombo urbano e regularizar suas terras, no Rio de Janeiro a prefeitura vem pressionando a Família Pinto a deixar o local, emitindo ordens de despejo. Em março de 2002, o juiz deu ganho de causa às famílias, depois de 27 anos de batalha judicial, mas este ato ainda não representou uma vitória, já que a outra parte do processo pode recorrer. Também diferentemente do que aconteceu com a Família Silva, até o momento os descendentes de escravos da Ladeira do Sacopã não receberam  nenhuma manifestação da FCP sobre o andamento de seu processo. Os membros da Família Pinto, moradores de uma área avaliada em mais de R$ 4 milhões, resistem há quase trinta anos à pressão de grandes empresas imobiliárias e esperam à legalização de suas terras e a autorização para voltar a realizar seus pagodes.

Fonte: “Relatório de Inspeção Técnica” - Gabinete da Vice Governadoria do Estado do Rio de Janeiro, 1999 “A Conquista do Paraíso” – Revista Isto É, março de 1986"

Luiz Sacopã - Acervo KOINONIA


De 2004 até agora, muita coisa mudou no quilombo Sacopã. Aqui destacarei três pontos que considero bem importantes. 

O primeiro trata da certificação do território como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares em 24 de junho de 2005 (processo: 01420.001389/2005-45). O segundo refere-se a Lei Nº 5503 de 17 de agosto de 2012, que "Cria área de especial interesse cultural - AEIC do Quilombo Sacopã". O terceiro diz respeito ao reconhecimento da comunidade como primeiro quilombo urbano do estado do Rio de Janeiro feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no ano de 2014, o que corresponde a uma etapa do processo de titulação do território de acordo com o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1988.

Vale destacar também que a versão resumida do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade como remanescente de quilombo, esta disponível na versão digital através da Coleção Terras de Quilombo, organizada através de uma parceria do INCRA com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 



Para finalizar, assim como o crime do Sacopã virou filme, o cineasta Diogo Yabeta produziu o documentário "Quilombo Sacopã" em 2016 e foi um dos finalistas da I Mostra Jovens. Mov que ocorreu em julho do mesmo ano no Centro Cultural da Justiça Federal. 

Para quem quer saber mais sobre a agenda de eventos no quilombo, entre em contato através da página Quilombo Sacopã no facebook. 

Daniela Yabeta

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