terça-feira, 25 de abril de 2017

O Quilombo de Barro Preto (MG) e a suspensão das titulações quilombolas pelo governo Temer

Sabe aqueles projetos que depois de um tempo percebemos que nunca vamos conseguir finalizar? Pois bem, o nosso Atlas do Observatório Quilombola é um deles.



Ele foi lançado em 2014 como um dos produtos do projeto “Apoio ao Fortalecimento Político das Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro” – promovido por KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, em parceria com a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj) e financiado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Na ocasião, nosso compromisso era disponibilizar um material referente as comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares no estado do Rio de Janeiro, o que foi realizado. Para saber mais, confira a notícia “KOINONIA lança Atlas Observatório Quilombola”



Apesar do sucesso do lançamento, eu, Ana Gualberto e Andrea Oliveira – bibliotecária de KOINONIA que também participou do projeto, pensamos grande e logo depois de finalizar o Rio de Janeiro, decidimos seguir a tabela da Fundação Cultural Palmares e marcar todos quilombos do Brasil. Resultado: um sonho gigante, que precisa de uma atualização constante e que conta com pouquíssimos braços. Mas o que importa é que seguimos tentando...

Uma das nossas tarefas no Atlas, além de relacionar as comunidades que foram certificadas em cada estado, é juntar o maior número de informações possíveis sobre esses grupos. Muitas vezes, já temos alguns textos produzidos que foram publicados no antigo Boletim Territórios Negros, mais precisamente nas colunas “Um Território” e “Fala Quilombola”. Além é claro, das notícias que são depositadas no Observatório Quilombola. É exatamente esse trabalho que estou fazendo agora.

Resolvi começar separando todos as colunas “Um território” que foram publicadas no período de 2003/2012, totalizando 27 edições. Ao chegar na edição nº 19 (2005) eu encontrei meu primeiro texto publicado “na vida”: Comunidade Quilombola do Barro Preto.

Na época, lembro da alegria pela minha primeira publicação e da minha decepção por não ter assinado o texto. A prática de assinar as colunas só passou a existir no ano seguinte (2006). Até então, meus créditos costumavam vir no final da revista, no campo denominado “pesquisa”. Na época, eu e Ana Gualberto iniciávamos nossa parceria e fechávamos nossa dobradinha revezando as colunas “Um território” e “Um pouco de História”. Aos poucos, além do Atlas Quilombola, também disponibilizaremos esses textos por aqui. Por ora, trago uma versão revisada e atualizada do que foi publicado em 2005 sobre a comunidade de Barro Preto.

O quilombo do Barro Preto está localizado no município de Santa Maria do Itabira, região do Vale do Aço, em Minas Gerais.

Anteriormente, a comunidade era conhecida como Córrego Santo Antônio, mas com o passar do tempo, adotou a denominação Barro Preto devido à prática de seus moradores de pintar a roupa de preto durante os períodos de luto, usando barro, cipó e gabiroba.

De acordo com a memória dos quilombolas, Barro Preto foi ocupada por volta da segunda metade do século XIX e teve suas origens na comunidade de Indaiá, localizada no município vizinho de Antônio Dias (MG). Acredita-se que escravos fugitivos em parceria com libertos tenham partido do Rio de Janeiro e da Fazenda das Pedras (MG) com destino a essa localidade. Os primeiros habitantes teriam sido Tobias Pires, João Grigó da Silva, Francisco Acácio e Quitéria Carneiro, esta última a maior detentora de terras da comunidade.

Os quilombolas contam também que, no pós-abolição, o governo concedeu terras às comunidades negras que se instalaram na região, mas os fazendeiros das proximidades se apoderaram delas por meios ilícitos, utilizando documentos falsos (processo conhecido como “grilagem”) e alegando que os que ali residiam não tinham título das propriedades.

A apropriação das terras também se deu por meio de dívidas contraídas pelos quilombolas com os fazendeiros locais, através de empréstimos financeiros. Como os quilombolas o conseguiam pagar os empréstimos, suas propriedades lhes foram tomadas. No entanto, essas dívidas jamais corresponderam ao valor real das terras. Atualmente, a área ocupada pela comunidade restringe-se a dois hectares e somente uma minoria possui título de comprovação de posse.

Barro Preto tem sua cultura marcada pela capoeira, danças associadas ao batuque, umbigadas, quadrilha e festas, como a de Santo Antônio (padroeiro da comunidade) e a festa da Vigília de Natal.

A organização da comunidade é feita através da associação de moradores, que leva o nome de Associação o Francisco de Barro Preto, fundada em 1986, bem como pelos grupos de capoeira e de artesãos.

Em maio de 2006, o quilombo do Barro Preto foi certificado pela Fundação Cultural Palmares (processo número: 01420.000989/2006-77). No mesmo ano, em parceria com os quilombolas de Indaiá, iniciaram através da Associação dos Quilombos Unidos do Barro Preto e Indaiá o processo de titulação do território junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra – processo número: 54170.001884/2006-91). Até o momento, a titulação não foi concluída.

Para finalizar, em junho de 2009, a Associação dos Quilombos Unidos do Barro Preto e Indaiá em parceria com a Associação dos Moradores Quilombolas de Santana – Quilombo Santana (PE) e a Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Mato Grosso do Sul apresentaram-se como amicus curae (Lei Federal 9869/99) no processo correspondente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3239/2004) impetrada pelo Partido da Frente Liberal (PFL – atual DEMOCRATAS), contra o Decreto 4887 de 20 de novembro de 2003, que “regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.

O partido requerente alega a inconstitucionalidade do referido Decreto basicamente por três motivos: 1) por conta da inexistência de uma lei prévia que confira validade ao mesmo; 2) por serem contrários ao princípio da autoatribuição como remanescente de quilombo; 3) por serem contrários possibilidade de demarcação do território a ser titulado a partir da comunidade interessada.

Em abril de 2012 a ADI 3229 foi julgada e o Ministro Relator Cézar Peluso votou pela inconstitucionalidade do Decreto 4887. Porém, por ocasião do pedido de vistas feito pela Ministra Rosa Weber, o julgamento foi suspenso. Três anos depois, em março de 2015, o julgamento foi retomado e, ao contrário do Relator, a Ministra votou pela improcedência da ação e constitucionalidade do Decreto. Na mesma ocasião, o Ministro Dias Tóffoli interrompeu novamente a sessão pedindo vista de processo.

Enquanto aguardávamos um novo julgamento, o presidente Michel Temer, que tem como sua base aliada de governo a bancada ruralista, mandou suspender a titulação de territórios quilombolas no Brasil até que o Superior Tribunal Federal conclua o julgamento, o que não tem prazo para ocorrer.

Enquanto isso, cerca de 1.500 processos de titulação que foram abertos no INCRA, incluindo o de Barro Preto, ficam parados deixando essas comunidades ainda mais vulneráveis, sujeitas a invasões, expulsões, ameaças, atendados...esse é o governo de Michel Temer.

P.S: Para quem quiser ler uma pesquisa legal sobre o quilombo do Barro Preto, sugiro a dissertação de Isis Silva “Entre Sonhos e Lutas: as vivências quilombolas no Barro Preto”.


Daniela Yabeta – Historiadora, POS-DOC FAPERJ – História UFF/ Editora da Revista do Observatório Quilombola

quinta-feira, 20 de abril de 2017

TOUR PELO SUBÚRBIO CARIOCA – Parte I: “Vicente de Carvalho”: do fazendeiro ao poeta abolicionista.

Não sei se vocês sabem, mas eu moro em Irajá (do tupi, lugar onde brota o mel), um bairro tradicional do subúrbio do Rio de Janeiro. Na verdade, moro mais especificamente em Vista Alegre, uma espécie de “sub bairro” de Irajá que não para de crescer. Ano passado, ganhamos um Polo Gastronômico (Decreto nº 41.451 de 28 de março de 2016), por conta da grande concentração de bares e restaurantes na região. 


Polo Gastronômico de Vista Alegre – Facebook Polo Gastronômico de Vista Alegre

Para quem quer conhecer, chegar por essas bandas não é tão difícil quanto muitos pensam. Temos uma linha de ônibus que faz o percurso até o Centro do Rio de Janeiro (349 – Rocha Miranda / Castelo), mas essa eu não recomendo, a gente nunca sabe o que esperar da Avenida Brasil...

Minha dica é o metrô. Por aqui, temos duas estações de fácil acesso: Irajá e Vicente de Carvalho. A estação de Irajá fica a 2,5km de distância do Polo Gastronômico e da Vicente de Carvalho 2,2km de acordo com o Google Maps. A maioria do pessoal que mora no bairro utiliza o metrô de Irajá por conta da grande quantidade de ônibus que passa por lá, mas eu prefiro Vicente – como é carinhosamente conhecida. Apesar de só ter um ônibus (629 – Irajá / Saens Pena), todos os carros têm ar-condicionado (o que é uma raridade!), e podemos saltar exatamente na porta da estação. Por isso a minha dica é essa, venham por Vicente! 


Metrô de Vicente de Carvalho – Metrô Rio

Nessa estação também temos a conexão para o BRT e o ponto final da linha 950 – Vicente de Carvalho/Vista Alegre. Em poucos minutos estarão no Polo Gastronômico tomando aquela gelada e saboreando os diversos petiscos.

E por falar em BRT, Ana Gualberto, minha parceira do Caderno de Campo, foi uma ilustre moradora do bairro, mas o prédio onde morava na Rua Engenheiro Mario de Carvalho foi desapropriado para a construção da linha.

Sobre Irajá, sabemos que até o século XVI a região era habitada pelos índios tupinambá. Mais tarde, com a chegada por portugueses, transformou-se na maior sesmaria do Rio de Janeiro e grande produtora de cana-de-açúcar. Para quem quiser conhecer mais detalhadamente a história do bairro, sugiro as seguintes pesquisas: 1) De freguesias rurais a subúrbio: Inhaúma e Irajá no município do Rio de Janeiro (MOURA, 1997); 2) Senhores e Possuidores: a construção da propriedade da terra na freguesia de Irajá (Rio de Janeiro, século XIX) (SILVA, 2013); 3) Famílias escravas no Recôncavo da Guanabara: séculos XVII e XVIII (DEMÉTRIO, 2008).

A região também é conhecida pela Paróquia de Nossa Senhora da Apresentação (construída em 1644 e onde fui batizada em 1982), pelo Cemitério de Irajá (de 1895) e pelo Grêmio Recreativo Bloco Carnavalesco Boêmios de Irajá (1967) onde acontece a roda de samba Quilombo do Irajá


Igreja de Nossa Senhora da Apresentação – Blog o Bom do Rio

E sobre Vicente de Carvalho? Vocês já ouviram falar?

Pois é, sabemos apenas que o nome do bairro remete a um antigo fazendeiro da localidade e que a Estrada de Ferro Rio D´Ouro inaugurou a estação de Vicente de Carvalho, em 15 de janeiro de 1883. Hoje, além do Morro do Juramento, o bairro também se destaca pelas preciosas Adega Duas Nações e Adega D´Ouro (será alguma referência a Estrada de Ferro Rio D´Ouro?). Podem apostar, essas duas relíquias barram qualquer novidade do Polo Gastronômico. 


Jornal A Tribuna - 15 de setembro de 1911 – Hemeroteca Digital BN

Sabemos também que esse fazendeiro Vicente de Carvalho costuma ser confundido com o poeta, contista, jornalista e juiz de Direito Vicente Augusto de Carvalho (1866-1924) de Santos (SP). E é aí que a história melhora.

O Vicente de Carvalho do município de Santos (SP) era um abolicionista que encaminhava escravos fugitivos para o Quilombo Jabaquara, liderado por Quintino de Lacerda. (Para conhecer melhor a história do quilombo e seu líder sugiro a dissertação de Matheus Serva Pereira: Uma viagem possível – Quintino de Lacerda e as possibilidades de integração dos ex-escravos no Brasil.). Inspirado nessa experiência, Vicente de Carvalho escreveu “Fugindo ao Cativeiro”, um de seus mais belos poemas. Vale a pena dar uma conferida.

De acordo com sua biografia, Vicente de Carvalho sempre viveu no estado de São Paulo. Não há nenhum registro que tenha residido no Rio de Janeiro. Mas, durante muito tempo, enquanto esperava o metrô, eu desejei que o abolicionista fosse o mesmo fazendeiro do subúrbio carioca. Até que um dia eu descobri que na Praça de Vicente de Carvalho existe um busto em homenagem ao poeta santista. 





Para quem quiser conhecer outras poesias daquele que ficou conhecido como “o poeta do mar”, sugiro o livro de Cláudio Murilo Leal lançado pela Global Editora em 2005: Melhores Poemas de Vicente de Carvalho. Depois da leitura, sugiro um tour pelo bairro para conferir se o busto é mesmo do abolicionista com direito a parada para tomar uma gelada, comer bolinho de bacalhau nas adegas e fazer aquela selfie maneira. 

Daniela Yabeta - Historiadora – Pós-Doc FAPERJ/ UFF - História - Editora da Revista do Observatório Quilombola

terça-feira, 11 de abril de 2017

Debate sobre museu e Escravidão na Baixada Fluminense

Entre os dias 07 e 08 de abril aconteceu no município de Duque de Caxias (RJ) a I Jornada de Museologia Social do Rio de Janeiro: Questões Contemporâneas, com a temática “Museu e Escravidão: Patrimônio, Memória e Museologia Social”.

No dia 07 a Jornada ocorreu na Câmara Municipal, com a conferência de abertura, “Malungo, Macota, Cabula, Ubanda: solidariedade centro-africanas contra a escravidão”, proferida pelo professor Robert Slenes (UNICAMP). No dia seguinte o evento ocorreu na sede do Museu Vivo do São Bento e contou com a participação de Nielson Bezerra (MVSB/FEBF – UERJ/FABEL), Cristina Lodi (Coordenadora do desenvolvimento do Museu da Escravidão e da Liberdade), Humberto Adami (Comissão da Verdade da Escravidão/OAB), Mário Chagas (UNIRIO – Rede de Museologia Social – RJ), Mariza de Carvalho (UFF- Museu Nacional), Luciana Barreto (TV Brasil/EBC), Cláudio Honorato (IPN), Hebe Mattos (UFF), Clarissa Lima (Comissão da Verdade da Escravidão/ RJ) e Elisa Larkin(Ipeafro). 



Para quem não conhece, o Museu Vivo do São Bento é um Ecomuseu de Percurso que foi criado através da Lei nº 2224 de 2008 a partir das reivindicações dos profissionais da Educação e dos militantes culturais de Duque de Caxias. Entre as localidades visitadas nos percursos sugeridos, destacamos a Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens de Cor (século XVII), Esporte Clube São Bento (1948) e o Sítio Arqueológico Sambaqui do São Bento.

Infelizmente não pude assistir a conferência de abertura, mas no dia 08 eu estive por lá e posso garantir que o encontro foi ótimo! Sendo assim, apresentarei um pequeno relato do que pude assistir.

Sobre a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, criada em 2014 pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Humberto Adami destacou que um dos objetivos principais da iniciativa é fomentar ainda mais o debate sobre reparação. Nesse sentido, o diálogo com a História torna-se imprescindível, pois a temática da escravidão é um campo de pesquisa muito rico no nosso país que conta com uma vasta bibliografia e uma grande quantidade de “pistas e provas”. O grande desafio seria tornar essa produção acessível ao grande público – uma questão que já é discutida no campo da História há bastante tempo! Adami também falou da importância da constituição de comissões estaduais e contou que foi graças a essa experiência que tomou conhecimento do Quilombo do Campo Grande em Minas Gerais, através do trabalho de Tarcísio José Martins. Além das comissões estaduais e municipais, Adami informou que estão previstas a implementação de comissões nos bairros de Madureira, Méier e Campo Grande, o que achei genial!

Mário Chagas (UNIRIO) falou sobre a importância do reconhecimento do debate Museu/Escravidão. Destacou que o trabalho dentro do museu, além do potencial poético, conta também com um forte potencial político. E por conta disso, é preciso criar mecanismos para nos libertarmos das amarras e produzirmos novos agenciamentos e novas possibilidades de pensamento dentro desses espaços. Sobre a realização da Jornada em Duque de Caxias, município que faz parte da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, Chagas lembrou do trabalho de Flávio Gomes (UFRJ – A Hidra e os Pântanos: quilombos e mocambos no Brasil: século XVII-XIX) sobre a constituição de quilombos na região, a chamada Hidra. Na mitologia grega, a Hidra de Lerna era um monstro que habitava o pântano, tinha corpo de dragão e 3 cabeças de serpente, quando uma delas era cortada, cresciam duas no lugar. Assim era a constituição de quilombos na região, quanto mais tentavam conter, mais apareciam.

A professora Mariza Soares (UFF-Museu Nacional) falou sobre sua experiência na organização da exposição “Kumbukumbu: África Memória e Patrimônio na Baixada Fluminense” e destacou que não é possível pensar na história da escravidão do Rio de Janeiro sem pensar no Recôncavo da Guanabara. Para quem quiser saber mais informações sobre a exposição, a professora indicou que o livro “Conhecendo a exposição Kumbukumbu do Museu Nacional” já está disponível online.

Hebe Mattos trouxe mais uma vez a experiência do projeto “Passados Presentes: Memória da Escravidão no Brasil” do qual eu tenho o privilégio de participar. Trata-se de um projeto de Turismo de Memória que resgata a História do tráfico de africanos para o Rio de Janeiro. Ao baixar o aplicativo “Passados Presentes”, é possível encontrar quatro roteiros que conduzem a locais relacionados ao tráfico negreiro e a história da escravidão no Brasil, são eles: 1) o centro do Rio de Janeiro; 2) a cidade de Pinheiral (sede do Jongo de Pinheiral); 3) o quilombo de São José da Serra (Valença); 4) o quilombo do Bracuí (Angra dos Reis). No centro do Rio de Janeiro, o circuito parte do Cais do Valongo e nos conduz a pontos de memória do tráfico negreiro, arte e religiosidade afrodescendente. Já na cidade de Pinheiral e nos territórios quilombolas de São José e Bracuí, além do circuito, contamos também com uma exposição permanente sobre a história de cada comunidade. O projeto é uma iniciativa do LABHOI – Laboratório de História Oral e Imagem (UFF) e do Núcleo de Memória e Documentação (UNIRIO). Em 2012 o projeto foi apresentado pelo Centro de Referência de Estudos Afro-Brasileiros do Sul Fluminense e a JLM Produções Artísticas ao Edital Petrobrás Cultural de Patrimônio Imaterial. Para o desenvolvimento da pesquisa e das plataformas digitais, o projeto também contou com o apoio dos Editais FAPERJ/COLUMBIA GLOBAL CENTER e do Programa da FAPERJ de “Apoio à Difusão e Popularização da Ciência e Tecnologia no Estado do Rio de Janeiro 2014”. 


Foto: Daniela Yabeta

No geral, duas questões foram recorrentes no encontro, a primeira delas diz respeito à constituição do Museu da Escravidão e da Liberdade (MEL) – Seria esse o nome mais apropriado? Como será constituído? A segunda questão diz respeito à atuação da Prefeitura do Rio de Janeiro com relação à crise enfrentada pelo Instituto dos Pretos Novos (IPN), maior cemitério de africanos escravizados da América Latina. De acordo com Cristina Lodi, coordenadora do futuro museu, em março desse ano foi constituído um Grupo de Trabalho destinado a elaborar um Plano de Ação para a criação do museu. Sobre o nome, trata-se de algo provisório e sujeito a mudanças. Todo conteúdo será discutido, principalmente no que se refere à dor de tratar sobre esse tema. Com relação ao IPN, ela informou que serão repassados 116 mil reais para o funcionamento de 2017.

Apesar de todo o sucesso que foi o evento, senti falta da participação de dois grupos: representantes das comunidades de terreiros, já que a região abriga um grande número de casas de candomblé e de terreiros de umbanda, e dos quilombolas de Maria Conga, única comunidade remanescente de quilombo certificada na região da “Hidra” da Baixada Fluminense. Esses dois grupos também estão ligados à herança da escravidão e discutem a constituição de memoriais em seus territórios. Como exemplo, temos o Memorial Iyá Davina no Ilê Axé Omolu Oxum - que “abriga acervo material referente à religião dos orixás e a formação das primeiras comunidades de candomblé no Rio de Janeiro” - e o Memorial Cristóvão dos Anjos construído no Asé Pantanal.

Fica aqui a dica para o próximo encontro. Gostaria muito de ouvir essas experiências nas mesas de debate.


Daniela Yabeta - Pós-Doutoranda em História (UFF - FAPERJ); Editora da Revista do Observatório Quilombola


segunda-feira, 3 de abril de 2017

Dona Dandinha e o quilombo Pitanga dos Palmares (BA)

Faz tempo que eu estou tentando voltar com a nosso Caderno de Campo. Foram várias as ideias que eu troquei com minha parceira Ana Gualberto sobre o que escrever para abrir o ano de 2017, mas o danado do texto nunca saia.

Entre lá e cá, colocando a leitura dos meus e-mails em dia, me deparei com uma mensagem encaminhada pelo antropólogo José Augusto Laranjeiras Sampaio para o grupo GT Quilombos, do qual faço parte. A mensagem original foi enviada por Sheila Brasileiro e diz o seguinte:

“Olá, pessoal!Dona Dandinha, a simpática senhora das fotos abaixo, é uma das fundadoras do quilombo Pitanga dos Palmares, situado em Simões Filho. Ela está muito debilitada e necessita com urgência de uma cadeira de rodas. Pode ser usada. Contato: Flávio Pacífico ("Binho do quilombo", presidente da Associação Quilombola de Pitanga dos Palmares)”

Dona Berna e Dona Dandinha: Simões On Line News

Ao tomar conhecimento da situação de Dona Dandinha, entrei em contato com o Flávio Pacífico por e-mail e whatsapp. Perguntei se eles haviam conseguido a cadeira de rodas para nossa ilustre quilombola e ele me informou que infelizmente não.

Na mesma hora, mandei uma mensagem para Ana Gualberto em Salvador e propus que fizéssemos uma vaquinha virtual para arrecadar a grana e comprar uma cadeira de rodas para Dona Dandinha. Para quem quiser contribuir, ainda dá tempo. Aqui está o link: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/cadeira-de-rodas-para-dona-dandinha

Dona Dandinha – Simões On Line News

A partir da história de Dona Dandinha fui buscar mais informações sobre o quilombo de Pitanga dos Palmares, localizado no município de Simões Filho (BA).

De acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares, existem três comunidades certificadas na cidade: 1) Dandá (2002); 2) Pitanga dos Palmares (2004); 3) Rio dos Macacos (2011).

Sobre o quilombo de Dandá, em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu a comunidade quilombola como locação para a filmagem de um documentário (Brazil: The StoryofSlavery) sobre a atual situação dos descendentes de escravizados. A iniciativa faz parte do projeto 2015-2014 – Década Internacional dos Afrodescendentes”.

O quilombo de Rio dos Macacos é o mais famoso da região de Simões Filho. Isso por conta do conflito que os quilombolas vivem com a Marinha do Brasil. Em 2012, um dossiê de Violações de Direitos Humanos foi apresentado na Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) denunciando as arbitrariedades cometidas contra os quilombolas. Para conhecer melhor o caso, vale a pena assistir do documentário “Quilombo Rio dos Macacos”.

Com relação ao quilombo Pitanga dos Palmares, além de certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2004, a comunidade iniciou o processo administrativo pela titulação de seu território no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em 2008. Porém, até hoje, o processo ainda não foi finalizado.

Pitanga dos Palmares destaca-se através de dois grupos de mulheres: as artesãs que trabalham com a piaçava e as bordadeiras que produzem peças maravilhosas em ponto de cruz.

Oficina de arte com piaçava – Comunidade Quilombola Pitanga dos Palmares

Maria Cândida dos Santos, nossa Dona Dandinha (81 anos), é uma mulher quilombola guerreira. Durante muito tempo, ela sobreviveu através da produção manual do azeite de dendê e é considerada pela comunidade como uma das “guardiãs” da cultura local. Flávio Pacífico, o Binho do Quilombo, compôs uma música em sua homenagem chamada Música do Pilão.

Dona Dandinha foi casada com Matias dos Santos, o grande mestre do Samba de Viola da localidade. Nas festas de São Gonçalo do Amarante, o santo dos agricultores e padroeiro da comunidade, o samba de viola anima a todos. O grupo é composto por 18 sambadeiras e 12 tocadores. Dona Dandinha era a sambadeira mais velha da comunidade.

Infelizmente, ela foi diagnosticada com DPOC – Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, o que torna sua respiração muito difícil. Dona Dandinha está tentando receber o oxigênio pelo SUS – Sistema Único de Saúde, mas enquanto a liberação não chega, os familiares estão pagando com seus recursos. Além do oxigênio, ela também necessita de uma cadeira de rodas para melhorar sua qualidade de vida. Diante do tanto que essa mulher representa, acho que o mínimo que podemos fazer é ajudá-la. Por isso, essa primeira página do Caderno de Campo de 2017 é dedicada a ela.

Tenho fé nos orixás, em São Gonçalo do Amarante e conto com a ajuda de vocês. A cadeira de rodas vai chegar em Pitanga dos Palmares para Dona Dandinha!

Até mais!

Dona Dandinha – Casa do Samba Dona Alvina


Daniela Yabeta - Pós-Doutoranda em História (UFF - FAPERJ); Editora da Revista do Observatório Quilombola

Encontro de Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro

Entre os dias 10-12 de agosto, estive em mais um Encontro das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro. Este foi o quinto encont...