Sabe
aqueles projetos que depois de um tempo percebemos que nunca vamos conseguir
finalizar? Pois bem, o nosso Atlas do Observatório Quilombola é um
deles.
Ele foi
lançado em 2014 como um dos produtos do projeto “Apoio ao
Fortalecimento Político das Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro” –
promovido por KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, em parceria com a
Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de
Janeiro (Acquilerj) e financiado pela Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (Seppir). Na ocasião, nosso compromisso era disponibilizar um
material referente as comunidades quilombolas certificadas pela Fundação
Cultural Palmares no estado do Rio de Janeiro, o que foi realizado. Para saber
mais, confira a notícia “KOINONIA lança Atlas
Observatório Quilombola”
Apesar
do sucesso do lançamento, eu, Ana Gualberto e Andrea Oliveira – bibliotecária de
KOINONIA que também participou do projeto, pensamos grande e logo depois de
finalizar o Rio de Janeiro, decidimos seguir a tabela da Fundação Cultural
Palmares e marcar todos quilombos do Brasil. Resultado: um sonho gigante, que
precisa de uma atualização constante e que conta com pouquíssimos braços. Mas o
que importa é que seguimos tentando...
Uma das
nossas tarefas no Atlas, além de relacionar as comunidades que foram
certificadas em cada estado, é juntar o maior número de informações possíveis
sobre esses grupos. Muitas vezes, já temos alguns textos produzidos que foram
publicados no antigo Boletim Territórios
Negros, mais precisamente nas colunas “Um Território” e “Fala
Quilombola”. Além é claro, das notícias que são depositadas no Observatório
Quilombola. É exatamente esse trabalho que estou fazendo agora.
Resolvi
começar separando todos as colunas “Um território” que foram publicadas no
período de 2003/2012, totalizando 27 edições. Ao chegar na edição nº 19 (2005)
eu encontrei meu primeiro texto publicado “na vida”: Comunidade Quilombola
do Barro Preto.
Na
época, lembro da alegria pela minha primeira publicação e da minha
decepção por não ter assinado o texto. A prática de assinar as colunas só
passou a existir no ano seguinte (2006). Até então, meus créditos costumavam
vir no final da revista, no campo denominado “pesquisa”. Na época, eu e Ana
Gualberto iniciávamos nossa parceria e fechávamos nossa dobradinha revezando as
colunas “Um território” e “Um pouco de História”. Aos poucos, além do Atlas
Quilombola, também disponibilizaremos esses textos por aqui. Por ora, trago uma
versão revisada e atualizada do que foi publicado em 2005 sobre a comunidade de
Barro Preto.
O
quilombo do Barro Preto está localizado no município de Santa Maria do Itabira,
região do Vale do Aço, em Minas Gerais.
Anteriormente,
a comunidade era conhecida como Córrego Santo Antônio, mas com o passar do
tempo, adotou a denominação Barro Preto devido à prática de seus moradores de pintar a roupa de preto durante os períodos de luto, usando barro, cipó e gabiroba.
De
acordo com a memória dos quilombolas, Barro Preto foi ocupada por volta da segunda metade do século XIX e teve suas origens na comunidade de Indaiá, localizada no município vizinho de Antônio Dias
(MG). Acredita-se que
escravos fugitivos em parceria com libertos
tenham partido do Rio de Janeiro e da Fazenda das
Pedras (MG) com destino a essa localidade. Os primeiros habitantes teriam sido Tobias Pires, João Grigó da Silva, Francisco Acácio e Quitéria
Carneiro, esta última
a maior detentora de terras da comunidade.
Os quilombolas contam também que, no pós-abolição, o governo concedeu terras às comunidades
negras que se instalaram na região, mas os fazendeiros das proximidades se apoderaram delas por
meios ilícitos, utilizando documentos
falsos (processo conhecido
como “grilagem”) e alegando que os
que
ali residiam não tinham título
das
propriedades.
A apropriação das terras também se deu por meio de dívidas contraídas pelos quilombolas com os fazendeiros
locais, através de empréstimos financeiros. Como os quilombolas não
conseguiam pagar os empréstimos, suas propriedades lhes foram tomadas. No entanto, essas dívidas jamais corresponderam ao valor real das terras. Atualmente, a área ocupada pela comunidade restringe-se
a dois hectares
e somente uma minoria possui título de comprovação de posse.
Barro Preto tem sua cultura marcada pela capoeira, danças associadas ao batuque, umbigadas, quadrilha e festas,
como a de Santo Antônio
(padroeiro da comunidade)
e a festa da
Vigília de Natal.
A organização da
comunidade é feita através da associação de moradores, que leva o nome de Associação São Francisco de
Barro Preto, fundada em 1986, bem como pelos
grupos de capoeira
e de artesãos.
Em maio de 2006, o quilombo do Barro Preto foi
certificado pela Fundação Cultural Palmares (processo número:
01420.000989/2006-77). No mesmo ano, em parceria com os quilombolas de Indaiá, iniciaram
através da Associação dos Quilombos Unidos do Barro Preto e Indaiá o processo
de titulação do território junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra – processo número: 54170.001884/2006-91). Até o momento, a
titulação não foi concluída.
Para finalizar, em junho de 2009, a Associação dos
Quilombos Unidos do Barro Preto e Indaiá em parceria com a Associação dos
Moradores Quilombolas de Santana – Quilombo Santana (PE) e a Coordenação das
Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Mato Grosso do Sul apresentaram-se
como amicus curae (Lei
Federal 9869/99) no processo correspondente a Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3239/2004) impetrada pelo Partido da
Frente Liberal (PFL – atual DEMOCRATAS), contra o Decreto
4887 de 20 de novembro de 2003, que
“regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades
dos quilombos de que trata o Art.
68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.
O partido requerente alega a inconstitucionalidade do
referido Decreto basicamente por três motivos: 1) por conta da inexistência de
uma lei prévia que confira validade ao mesmo; 2) por serem contrários ao
princípio da autoatribuição como remanescente de quilombo; 3) por serem
contrários possibilidade de demarcação do território a ser titulado a partir da
comunidade interessada.
Em abril de 2012 a ADI 3229 foi julgada e o Ministro
Relator Cézar Peluso votou pela inconstitucionalidade do Decreto 4887. Porém, por ocasião do pedido de vistas feito pela
Ministra Rosa Weber, o julgamento foi suspenso. Três anos depois, em março de
2015, o julgamento foi retomado e, ao contrário do Relator, a
Ministra votou pela improcedência da ação e constitucionalidade do Decreto. Na mesma ocasião, o Ministro
Dias Tóffoli interrompeu novamente a sessão pedindo vista de processo.
Enquanto aguardávamos um novo julgamento, o presidente
Michel Temer, que tem como sua base aliada de governo a bancada ruralista, mandou suspender a
titulação de territórios quilombolas no Brasil até que o Superior Tribunal Federal conclua o
julgamento, o que não tem prazo para ocorrer.
Enquanto isso, cerca de 1.500 processos de titulação que
foram abertos no INCRA, incluindo o de Barro Preto, ficam parados deixando
essas comunidades ainda mais vulneráveis, sujeitas a invasões, expulsões,
ameaças, atendados...esse é o governo de Michel Temer.
P.S: Para quem quiser ler uma pesquisa legal sobre o
quilombo do Barro Preto, sugiro a dissertação de Isis Silva “Entre
Sonhos e Lutas: as vivências quilombolas no Barro Preto”.
Daniela Yabeta – Historiadora, POS-DOC FAPERJ – História
UFF/ Editora da Revista do Observatório Quilombola